quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

IV - La Cara al Vent (X)

A irrupção de Raimon em Valência, paralela aos Setze Jutges, chama à atenção destes e dos seus pares. É considerado o recital fundador dos Jutges o que, com o título La Poesia de la Nova Cançó, tem lugar a 19 de Dezembro de 1961 no CICF (Centre d'Influència Catòllica Femenina). A 21 de Outubro de 1962, na Primeira Reunião da Juventude do País Valenciano, celebrado em Castelló, cantam Espinàs, Abella, Remei Margarit e Lluís Serrahima, acompanhados por um jovem guitarrista barbudo que versionava blues no conjunto Els Quatre Gats, Francesc Pi de la Serra. [O disco cuja capa aqui partilhamos é o primeiro do grupo, de 1963]
Raimon canta depois deles e Espinàs e Pi de la Serra ficam muito bem impressionados. Posteriormente, Joan Fuster acha que Raimon merece ser ouvido em Barcelona, uma espécie de consagração laica, e paga-lhe uma viagem de comboio. Espar em pessoa vai esperá-lo à estação do Passeig de Gràcia e mesmo muitos anos depois refere a chegada de Raimon como um acontecimento; na Catalunha estavam a préfabricar um género, mas o género autêntico vinha de Xátiva. Alojam-no em casa de Enric Gispert, músico e musicólogo que se tornará num dos grandes amigos e assessor imprescindível.

Em casa de Gispert, de Espar, de Jordi Nadal, de Manuel Ortínez..., Raimon deu a conhecer "Al Vent". Não sabe precisar em qual delas a cantou primeiro, mas Ortínez, nas suas memórias, diz que foi em sua casa. Deixou isso escrito e aqui fica, pela sua personalidade - homem de confiamça do presidente Tarradellas, conselheiro de Governo da Generalitat provisória -, mas o ano que dá, anterior à estadia que nos ocupa e muito próxima da data da composição, torna-a pouco verosímil. Ortínez escreve:

[A editora] AC criámo-la com Fuster, que eu tinha conhecido em fins dos anos 50, através de Joaquim Maluquer e com quem estabelecemos boa amizade. Numa daquelas primeiras reuniões, em minha casa, em 1960, Raimon canta pela primeira vez em Barcelona as estrofes - tão apaixonadas - de "Al Vent", a canção que o catapultaria.

Raimon canta na Festa de Santa Llúcia, organizada pelo Òmnium Cultural para atribuir os prémios mais importantes das letras catalãs, o Sant Jordi (de romance) e o Carles Riba (de poesia. 13 de Dezembro de 1962, Hotel Colom. Foi uma espécie de coitus interruptus, se nos permitem uma piada em jeito valenciano, porque as hostes começariam a queixar-se de uns gritos que não as deixavam dormir; de maneira que o Raimon cantor nascia predestinado ao facto de que a intolerância o mandasse calar. Dois dias depois, debuta oficialmente no Fòrum Vergés, numa sessão colectiva, como eram quase todas, ao lado de Grau Carol, Pere Cervera, Salvador Escamilla, Xavier Elías, Miquel Porter, entre outros, e sempre com a imprescindível colaboração do virtuoso guitarrista Quico Pi de la Serra, que finalmente acabaria por cantar canções fantásticas como "L'home del Carrer".





Raimon era diferente da canção popular feita até então, é preciso lembrar. É momento de dizer que também era diferente dos Jutges. Por muitas razões. Em primero, a proveniência local e social; Raimon não era nem barcelonês nem de família burguesa nem, por consequência, usava gravata. Depois, Raimon não canta para preencher um vazio cultural, como tarefa de serviço à cultura catalã nem como contestação ao regime; canta simplesmente porque lhe brota, como o ser humano que - diz Nietzsche - que "desata a falar" nos primórdios da protohistória, e isso explica-se com as palavras ut supra mencionadas relativas às necessidades biológicas ou fisiológicas. E, além disso, "Diguem no" ultrapassa pela esquerda os conteúdos dos Setzge Jutges. Enquanto estes, até então, seguiam de alguma forma a linha de Amades, passando pela chanson francesa, e o seu compromisso - que não é pequeno, conta! -, de reivindicação linguística, quando Raimon compõe "Diguem no" inclui revindicações sociais de classe e políticas. Raimon fala de repressão, de fome, de trabalhadores - palavra proibida pelo léxico franquista, que pôs em circulação aqueloutro de "produtores" -, de prisão... em plena ditadura, adicionar conteúdos sociais à língua catalã era multiplicar por dois o ataque e, portanto, o perigo.

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