Franco vende paz, ao acabar a guerra, e eleva-a à categoria da mais premiada dos ganhos graças à guerra que ele tinha despoletado. Raimon encontra no medo o melhor epíteto daquela paz fictícia: "De vegades la pau, no és més que por" ("Às vezes a paz não é senão medo"). Este verso, primeiro da canção "Sobre la pau", completa a ideia enunciada em "Quan jo Vaig Nàixer", e quando diz "por dels homes que no volem la nit" ("medo dos homens que não queremos a noite") junta o ritornello explanado na canção "La nit", metáfora da ditadura. Desenvolve igualmente a paisagem depois da batalha de "Quan jo Vaig Nàixer", "Sobre la pau", o verso que a descreve [à paz] como "un buit immens on moren els homes" ("um vazio imenso onde os homens morrem")... "Encara no havien mort tots".
Raimon nasce, portanto, num país despedaçado, mas também num universo em estado crítico. A guerra civil espanhola é apenas um ensaio para a deflagração mundial que começa quando aquela acaba. Franco acaba de ocupar Espanha em Abril e Hitler ocupa a Polónia em Setembro.
Raimon nasce, portanto, num país despedaçado, mas também num universo em estado crítico. A guerra civil espanhola é apenas um ensaio para a deflagração mundial que começa quando aquela acaba. Franco acaba de ocupar Espanha em Abril e Hitler ocupa a Polónia em Setembro.
Raimon detesta a violência, também o deixa bem claro nos seus textos, a começar pelo grito que consigna "no creguem en les pistoles", de "D'un temps, d'un país", frase que responde a um dos ideólogos de todo aquele desastre, José Antonio Primo de Rivera, fundador da Falange Española, partido único do franquismo copiado do fascismo italiano que tanto admirava. Primo de Rivera, filho de ditador, confesso devoto de Mussolini, a quem dedica páginas e páginas de elogios, defendia sem escrúpulos a "dialéctica dos punhos e das pistolas". Raimon incide de novo no tema quando canta "no volen arguments, usen la força", em "T'adones, amic"; e, por fim, com um breve comentário que faz no macroconcerto de homenagem a Miguel Ángel Blanco, assassinado pela ETA no ano de 1997.
Em Xàtiva, como em todo o lado, tocou a todos receber o contencioso civil: quem tem mais ou menos familiares mortos por uns ou por outros, presos, exilados ou desparecidos. O próprio pai de Raimon, membro da CNT durante a República e de família anarcossindicalista, vai passar diversas vezes pelo calabouço durante o pós-guerra. A mãe nasceu em 1894 no seio de uma família socialista. O avô materno de Raimon tinha tomado parte na fundação local da UGT e, segundo a tradição oral, tinha alojado em sua casa o próprio Pablo Iglesias, mas não se comentava nada porque o franquismo podia sancionar com represálias retroactivas. Apesar de todas as cautelas, era inevitável que em casa de Raimon se falasse da guerra, a partir da visão de uma esquerda dividida que repartia as culpas de a ter perdido. "Divided we Stand", divididos nos mantemos, é um título de uma revista norte-americana que Raimon guardou para explicar aquela situação.
Na canção "Quan jo Vaig Nàixer", Raimon evoca, portanto, a sua vinda ao mundo, traçando a situação global, que é, por outro lado, a maneira mais generalizada da sua abordagem poética. Raimon destrinça o contexto de um ano de números redondos para explicar uma época, e não a data pequena e o topónimo que assinalam o seu nascimento.
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