segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

IV - La Cara al Vent (IV)


Capa da Totes les Cançons (10 discos) (Belter)


Quando prepara a edição completa da sua obra até então (1981), intitulada Raimon. Totes les Cançons, deixa para o último disco as primeiras gravações, que quer despojadas de arranjos, apenas com os bordões de um contrabaixo a ritmar a melodia da voz e o acorde da corda da guitarra. É o Raimon fiel às origens e diria que recolhendo uma das suas primeiras influências sérias na maneira de entender a canção, a de George Brassens, que passaria toda a sua carreira apenas acompanhado pelo contrabaixo de Pierre Nicolas.

Brassens, com Jacques Brel e Léo Ferré, eram dos escassos cantores com pretensões literárias que Raimon tinha ouvido até então, e a sua maneira de entender o género da canção popular vai, sem dúvida, chamar-lhe a atenção, mas no singularíssimo caso de Raimon - "inimitável e irrepetível", segundo Espriu - não se pode falar tanto de influências como do background, o qual se tinha ido acumulando no lóbulo temporal do cérebro: as missas gregorianas dos clérigos; Machín e Nat King Cole, Jorge Negrete e Irma Vila, Belafonte e os boleros que tinha mamado da rádio; todo o repertório da banda, miscelânia heterogénea de cordas transposta aos metais do campo sinfónico e as múltiplas charangas próprias; a respeituosa audição dos primeiros clássicos; as work songs e o gospell norte-americanos; o jazz de Louis Armstrong, especialmente os seus premiados espirituais, um disco actualmente quase impossível de encontrar no lifting do CD, The Good Book, gravado em 1938...

Brassens fazia aquele tipo de canção popular que contrastava com o que então chegava até cá, era o que Umberto Eco qualificaria como a "canção distinta". Era uma canção diferente da que se enternizava nas listas de êxitos, que respondiam à terminologia inglesa de hit parade, e se era diferente em forma e conteúdo, era-o também na finalidade e sê-lo-ia nos circuitos. Nada a ver com a música pop convencional da época dos conjuntos importados da cultura anglo-saxónica, e muito menos com os subprodutos mal apelidados de modernos que por aqui grassavam, fossem o Dúo Dinámico, a Lita Torelló ou a daninha tonadilleta - segundo diminutivo de toada: tonadilla, tonadilleta - de Manolo Escobar ou Juanito Valderrama, cujos melismas metiam medo. Joselito já era letal.

Sem comentários: