sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

IV - La Cara al Vent (III)

Quando saímos de Xátiva - conta Raimon -, "Al Vent" não existia, e quando cheguei a Valência, a canção já estava feita. Eu ia atrás, não sei conduzir grande coisa, e ia atrás, com a guitarra que o meu irmão me tinha oferecido. E com os três acordes que sabia naquele momento, saiu-me "Al Vent", como um grito sobretudo fisiológico... O vento baita-me na cara, e, sem saber como, comecei a pensar, a procurar uma ordem diferente, aquela vontade de adolescente de encontrar um lugar no mundo.
Depois escrevo-a e canto-a de imediato, com os amigos, na universidade. A primeira pergunta que todos fazem é: de quem é a canção? Era impensável que fosse uma canção autóctone e que fosse minha, pensavam que era uma tradução do francês ou do inglês, porque aqui não se faziam coisas assim. E um valenciano e em Catalão...!

Manuel Sacristán, no seu prólogo ao livro Raimon. Poemes i Cançons, faz uma bela descrição de "Al Vent". Parágrafo único para uma multiplicidade de conceitos que se encontram, se relacionam e se reencontram, na mais pura e bem conseguida praxis do materialismo dialéctico. O tradutor de Lukácks presta honra à sua Estètica, o mais belo canto à beleza entoado a partir da filosofia marxista:

"Al Vent" é uma canção de estrutura simples e bastante tradicional. O refrão - o grito que dá nome à canção - é uma expressão subtilmente directa de vitalidade juvenil, de entrega ao mundo e da tentativa de penetrar nele por quem não está preso pelas algemas classificadoras da divisão do trabalho. Como sempre, a impressão do que é muito directo, da espontaneidade, é fruto do trabalho do poeta consigo mesmo e com o meio expressivo; no primeiro é melhor ainda não nos determos; o segundo manifesta-se no uso de uma sintaxe de justaposição para tapar algo muito mais difícil: uma "análise" selectiva - bem sugestiva pela sua concreção subjectiva, causa provável do êxito magnetizante desta canção - que enumera as partes do corpo que estão (segundo o poema) expostas ao vento: a cara, o coração, as mãos, os olhos. O jovem que correu ao vento - de moto ou a pé, não se sabe se para libertar a energia, se para encontrar alguma coisa - fica convencido pela tangível descrição como a expressão da sua experiência, e interessa-se pelo menos, no caso em que não o compartilha, pelo sentido que Raimon lhe dá: procura. Estas duas estrofes, formal e musicalmente idênticas, abrem caminho a três versos contrastantes pelo que dizem e pela música. Enquanto o primeiro elemento significativo da canção é a afirmação simples de uma experiência de vida e de um dos seus sentidos - aquilo que Fuster apelidaria de "aspiração metafísica" - , esta breve terceira estrofe é um registo meditativo da experiência oposta, do mal e da tristeza, a qual põe em dúvida a primeira afirmação vital: porque " a vida pode ser esse choro". O final da canção volta a afirmar a experiência vital positiva, a primeira estrofe, e faz assim uma síntese dos dois momentos anteriores. O que é peculiar desta fase do canto de Raimon é que não há qualquer discurso - nem discursividade musical - que dê lugar à reafirmação da vida; há uma adversativa abrupta: "la vida pot ser eixe plor, / pero nosaltres / al vent". E a melodia inicial reaparece sem qualquer cambiante. A razão de viver do adolescente é a sua vitalidade.

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