segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

III - Una Ciutat Difícil (V)

Valência é qualificada como "uma cidade difícil" na canção "Andreu, Amic", dedicada ao escultor Andreu Alfaro, que é conhecedor de todos os seus becos. A "ciutat difícil" na qual Raimon vive os seus anos de universitário está retratada naqueles versos:

"Dels ponts del riu i de les pedres velles, /
"Das pontes do rio e das pedras velhas
des clares matins, de la llum dels baladres. (...) /
das manhãs claras, da luz dos loendros. (...)
Carrers estrets i espais poc metafísics, /
Ruas estreitas e espaços pouco metafísicos,
tot l'entrellat d'una ciutat difícil, /
todo o intrigante de uma cidade difícil,
indiferente i secularment puta." /
indiferente e secularmente puta".


Curioso que a única palavra grosseira do cuidadoso Raimon literário esteja escrita não no sentido estrito, mas no sentido triste que o termo tem, ... em Valência. Fosse como fosse, Valência cidade não aparece com boa imagem nas canções de Raimon; "ainda bem que os duros não se deram conta", dir-lhe-ia um amigo em jeito de piada, segundo conta em Les Hores Guanyades. A outra menção surge em "L'Única Seguretat" e lembra, a lembrança é imelhorável porque foi no dia em que conheceu Annalisa: "El goig d'haver-te trobat / un dia fa ja molts anys / a la ciutat bruta i plana". ("A emoção de te ter encontrado / um dia, já há muitos anos, / na cidade bruta e plana").

Daquela Valência, ao fim e ao cabo, Raimon destaca a zona gótica de casarões com musgo, a catedral e a galeria, a rua de Cavallers e o restaurante Bermell, ponto de encontro dos progressistas intelectuais, que mantém ainda o nome de outrora e alguns pratos de interesse etnogastronómico, como agora o esgarraet, variedade de salada de bacalhau que seria admitida pela Academia Valenciana da Língua, digamos, e o Atum de areia, conservado em água e sal como as anchovas, conhecido desde a Idade Média e sob a influência do qual vai chegar desde Alacant até às costas de Tarragona como ingrediente do xató.

Valência foi o porto onde Raimon ancorou o barco que conduzia Ausiàs March gráças ao impulso do vento nas velas. Mas faria várias viagens. Com mil pesetas poupadas durante todo o ano, em 1960 vai a Paris à boleia com dois amigos, Joan Joan e Vicent Àlvarez. Vai dar azo a uma das suas grandes vontades, passear e mirar, e apaixona-se por aquela cidade com uma intensidade que dura até hoje. Raimon precisa de ir a Paris de vez em quando, percorrer o Bairro Latino e comer nos bistrot, aqueles pequenos restaurantes que servem boa comida e nunca para desenrascar, com uma garrafa de um vinho sempre negro.

Sem comentários: