É quando termina o segundo curso da carreira que o seu irmão Rafael lhe oferece a guitarra, instrumento de que Raimon sempre tinha tido inveja, o fruto proibido de um músico de banda. Com a guitarra nas mãos, os acordes que tinha ido aprendendo acompanham-no no grito motorizado e sugerem-se outros sons, outras palavras que vão completar a primeira canção. Facto muito especial se nos lembrarmos que não estamos a falar de um país normal: Raimon canta na sua língua e ainda não numa línguaa cultivada para a idade que tem. Canta na língua do povo, aquela que Joan Maragall reclama no seu maravilhoso "Elogi de la Paraula". Mas é uma língua que então apenas se pode falar "na intimidade", que é o meio no qual vão continuar a falar os franquistas até depois da sua legalização como "co-oficial" a partir dos estatutos de autonomia.
Pino Donaggio - Canta en Català (EMI, 1966)
Cortesia do blogue amigo El Rincón del 45
Joan Fuster afirma com segurança que o facto de cantar em Catalão num universo onde apenas se ouvia cantar em qualquer outra língua - Castelhano, Inglês, Francês o o Latim eclesiástico - já desperta o interesse de um público com preocupações intelectuais, para lá das lúdicas. Raimon faz uma canção distinta e também, com esta, contribui para criar um público distinto. O público que se interessa por Raimon não tem nada que ver com o consumidor de música que se adjectivava como "moderna", para distingui-la da "clássica". Um género novo altera todo o ecossistema: público, meios e sistemas de comunicação, gostos e, também, a mesma evolução das espécies pré-existentes, para continuar na terminologia da sustentabilidade. Quero dizer que até os cantores mais insossos terão de fazer esforços para que se os valorize como cantautores, que é o nome com o qual os entomólogos, não sem um sem um grande exame de divisões, baptizariam a criatura. Naturalmente, o diccionário normativo de Pompeu Fabra não admitia "cantautor", e os acólitos - Espriu comparava o Fabra ao Alcorão - protectores da sua pureza não podiam sequer pôr-se de acordo em que havia algo de novo não previsto pelo pobre Fabra, que não era nenhum Júlio Verne. Surgem, portanto, cantautores ful [i.e. de merda, não autênticos] sob as pedras, vocalistas de plástico convertem-se, e para fazer ver que a língua catalã tinha passado das catacumbas aos palácios do império, como numa rendição do Édito de Milão, a última geração de rendidos do têxtil faz com que até cantores estrangeiros gravem as suas canções no idioma de Tirant.
Capa e contracapa de um Epê com canções de quatro cantores italianos a cantarem em Catalão:
Rita Pavone, Gianni Morandi, Jimmy Fontana e Donatella Moretti (RCA, 1966)
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