domingo, 4 de maio de 2008

V - Caminant, amics (VIII)

Raimon tem também um tema dedicado a Joan Miró, com uma reiteração da expressão muito intencionada d"um vermelho inflamado" sobre um ostinato de guitarra. Apresentou-os, no ano de 1964, o jornalista Alberto Oliveras no restaurante Barcelonne de Paris, que além de oferecer um comer tipicamente espanhol, oferecia também flamenco para os turistas. Depois de jantar, Raimon agarrou na guitarra e cantou-lhe um par de canções. Um mês depois, Miró enviou-lhe uma litografia dedicada e propunha fazerem algo juntos; Raimon pensou na capa das Cançons de la roda del temps.

Apesar da diferença de idades - comenta o cantor -, o contacto com Miró seria permanente, não sei se chamar-lhe de amizade. Fez-me uma capa para outro disco, publicado no Japão, enviou-me uma litografia belíssima a Xátiva, falávamos muito, nem sempre, mas sempre que nos víamos. Tenho por ele uma grande admiração.

No mundo real, no que parece mais fácil fazer amigos, é muitas vezes o mais difícil. De qualquer forma, Raimon congregou energias positivas em toda a parte na comemoração dos trinta anos de "Al vent"; o uruguaio Daniel Viglietti, autor de "A desalambrar", um dos hinos universais das ideias progressistas, disse-o: "Isto é uma família". Deste lugar conservou Raimon muito próxima, na lonjura transoceânica, a amizade de Pete Seeger, um dos pais da canção folk mais comprometidos e que popularizou as canções de luta dos republicanos na Guerra Civil espanhola - tinha-as recuperado García Lorca, mas com letras revolucionárias -, que ele conheceu através da Brigada Lincoln de voluntários norte-americanos contra o fascismo.

Conheci o Pete - lembra Raimon - no ano 1970, nos Estados Unidos, mas já tinha ouvido discos dele, claro. Interessava-me muitíssimo a folk-song que se tinha desenvolvido a partir de Woody Guthrie, muito amigo de Pete. Tive a sorte de cantar a seu lado e quando pude trouxe-o a cantar a Espanha. Veio a minha casa. Proibiram-no de cantar em Barcelona, com um enorme destacamento de polícias, mas pôde cantar em Terrassa, em Sevilha e Donostia.
A amizade com Pete está viva hoje em dia, telefonamos um ao outro, e quando um ou outro viaja estamos juntos e falamos muito. Para mim, Pete Seeger é um exemplo, não do ponto de vista estético, porque ele é, digamos, muito norte-americano, e as suas coordenadas artísticas são muito diferentes das minhas. Mas tenho-o como exemplo de como usar a canção e de estar nela com uma dignidade enorme.

Menos longe que Seeger, encontramos o basco Mikel Laboa, com o qual mantém uma relação enriquecida também pela admiração mútua. Raimon não esquece a anedota simples de um restaurante no Monte Igeldo, sobre Donostia, ao qual Mikel tinha levado Raimon para comer umas fantásticas amêijoas, que muito o entusiasmam... Mas naquele dia tinham acabado! Mikel saiu da mesa, "ya vengo", foi à peixaria e regressou com as amêijoas.