domingo, 14 de setembro de 2008

VI - En tu estime el món - (IV)

O punho fechado a dar título a um tema de amor e representado no final ilustra a ideia que Raimon tem que a vida, nos seus motivos mais elevados, dificilmente se pode dividir em compartimentos estanques que respondem pela terrível etiqueta que classifica e separa. Para Raimon, poesia lírica e poesia cívica vão juntas, amor e luta são um só; e para revelar a chave da claridade, intitulou Cançons d'amor, cançons de lluita ao segundo disco da Integral e os seus recitais que inauguraram o Teatro Grec em 1999. A propósito deste acontecimento, explicava assim a relação amor-luta:

É um binómio que sempre cantei, mas no sentido mais amplo das duas palavras. Não há amor sem luta e não há luta sem um certo tipo de amor. Há uma história concreta, não apenas contra a ditadura, mas contra esta espécie de cama em que sentes que te estão a pôr para que não penses em nada; há esta tensão, e há este amor não apenas de tipo individual mas de tipo colectivo. Numa das últimas canções que fiz escrevi estes versos: "Sozinho e acompanhado, provei ser útil / com canções de amor, com canções de luta". E para citar os dois autores que mais musiquei, a maioria da poesia de Ausiàs March, por um lado, são poemas de amor, e grande parte da reflexão de [Salvador] Espriu sobre o amor e a luta juntos. De forma que o título pode englobar muito do que tenho vindo a fazer e do que penso continuar a fazer.

O tema a que se refere, onde figura explicitamente o dualismo positivo, que acaba com velhos maniqueísmos, chama-se "Animal d'esperances i memòria", e estreou-o nos recitais do Grec. Esta canção versa sobre o que está por trás do laço covalente que propõe. O amor solidário no próprio par, já antecipada em "En tu estime el mon", que projecta a individualidade - "amb tu sé que sóc més lliure" ("contigo sei que sou mais livre") - e o contexto da luta, produto uma vez mais de uma reflexão intensa. Raimon enuncia qual é o denominador comum dos muitos numeradores concretos nos quais se revela: os limites. E deixa a palavra "limites" sozinha entre pontos, para que na sua nudez contemplemos a sua magnitude. Limites à liberdade, limites que normalmente não se podem transgredir, limites pessoais que não sabemos ultrapassar. A canção, por outro lado, tem dois momentos que, mesmo que não citem, evocam Espriu, nos versos finais; onde Espriu é a referência mais clara que Raimon tem da temática cantada. Evoca-o também pelo acróstico; ao poeta agradavam-lhe estes jogos de letras (e os três últimos versos de "Però en la sequedat arrela el pi", que Raimon canta, as primeiras letras, lidas na vertical, dizem "morte"). Raimon escreve o seu nome e o de Annalisa, para isso se destacam a negrito.


["Animal d'esperances i memòria" é das minhas canções preferidas de Raimon, a qual desfaz por completo, se dúvidas houvesse, a ideia de que Raimon é um cantor panfletário ou tópico nos textos que musicou e cantou. É a 20ª canção na caixa de música, extraída da Integral. Edició 2000, e gravada em 31 de Janeiro desse ano, em Lleida, no Auditori Enric Granados.]


Animal d'esperances i memòria
No he volgut ser humà d'altra manera,
No he volgut ignorar i resignar-me
A ser, poc més poc menys, com una fera.
Límits, conec molt bé tants i tants límits.
I visc pugnant contra aquests límits. Límits.
Sol i acompanyat prove de ser útil
Amb cançons d'amor, amb cançons de lluita.

Inventari incomplet de temps i vida.

Refaré aquells camins que vaig fer sol
Ara que amb tu sé que sóc més lliure.
I amb les últimes ratlles del dibuix
Miraré el mar, escoltaré els meus morts,
Ombres estimades que en mi habiten.
Negaré decepcions, continuaré esperances.

/

Animal de esperanças e memória
Não quis ser humano de outra forma
Não quis ignorar e resignar-me
A ser, pouco mais ou menos, como uma fera.
Limites, conheço muito bem tantos e tantos limites.
E vivo pugnando contra estes limites. Limites.
Só e acompanhado provei ser útil
Com canções de amor, com canções de luta.

Inventário incompleto de tempo e vida.

Refarei os caminhos que fiz sozinho
Agora que contigo sei que sou mais livre.
E com os últimos esboços do desenho
Olharei o mar, ouvirei os meus mortos,
Sombras estimadas que em mim moram.
Negarei decepções, prosseguirei esperanças.


[O jornalista e grande estudioso da Nova Cançó Jordi García Soler chamou uma vez à atenção para o primeiro verso. A escolha das palavras é intencional, frisou. Assim, quando Raimon canta

"Animal d'esperances i memòria" (Animal de esperanças e memória)

a frase é homófona de

"Anem mal d'esperances i memòria" (Estamos / Vamos mal de esperanças e memória)

Pareceu-me bem acrescentar esta interpretação aqui, se bem que Antoni Batista a ela não aluda, porque me parece fazer todo o sentido.]

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

VI - En tu estime el món - (III)

Fica, daqueles dias longos, um testemunho de fora da vida artística, o de Artur Sagués, que então estava em Xábia a gerir um restaurante. Artur tinha cuidado (...) com Annalisa e procurava manter um equilíbrio entre a boa cozinha, a cozinha surpreendente e a cozinha de regime. Artur lembra aqueles dias em Xàbia, em que os Raimons iam jantar ao seu restaurante. Os Raimons também estimam Artur de uma maneira especial, e têm seguido o seu percurso de incansável andarilho da gastronomia.

Nos momentos mais complicados , quando a incerteza se juntava ao próprio mal-estar corporal, Raimon tomou partido em três recitais no Palau de la Música. Naquela convocatória, Raimon cantou "Com un puny", a canção em que Annalisa é retratada mais intimamente. A emoção impediu que o último agudo, no qual a canção pára, chegasse sem se desenhar. Fechou o punho erguido como sempre faz ao acabar esta canção e encaminhou-se ao camarim porque aquela emoção se condensara.

[Eis "Com un puny", a 19 canção de Raimon na caixa de música. É a versão que gravou no disco homónimo dos 40 anos do primeiro concerto no Olympia]


Quan tu te'n vas al teu país d'Itàlia /
Quando te vais para Itália

i jo ben sol em quede a Maragall, /

E eu, sozinho, fico em Maragall,

aquest carrer que mai no ens ha fet gràcia /

Esta rua que nunca nos fez rir

se'm torna el lloc d'un gris inútil ball. /

Torna-se-me num lugar cinzento de uma dança inútil.


Ausiàs March em ve a la memòria, /

Ausiàs March vem-me à memória,

el seu vell cant, de cop, se m'aclareix, /

o seu velho canto, de repente, torna-se-me claro,

a casa, sol, immers en la cabòria /

em casa, sozinho, imerso na preocupação

del meu desig de tu que és gran i creix: /

do meu desejo de ti, que é grande e cresce:


"Plagués a déu que mon pensar fos mort

E que passàs ma vida en dorment". /

"Quisesse deus que o meu pensar estivesse morto

E que passasse a minha vida a dormir."


Entenc molt bé, desgraciada sort, /

Percebo muito bem, infeliz sorte,

l'última arrel d'aquest trist pensament, /

a última raíz deste triste pensamento,

el seu perquè atàvic, jove, fort

jo sent en mi, corprès, profundament. /

sinto profundamente em mim

o seu porquê atávico, jovem, forte.


Al llit tan gran d'italiana mida /

Na cama de medida tão italiana
passe les nits sentint la teua absència, /
passo as noites sentindo a tua ausência

no dorm qui vol ni és d'oblit la vida, /

Não dorme quem quer nem a vida é de esquecimento,

amor, amor, és dura la sentència. /

amor, amor, é pesada a pena.


Quan tu te'n vas al teu país d'Itàlia /

Quando te vais para Itália

el dolor ve a fer-me companyia, /

a dor vem fazer-me companhia

i no se'n va, que creix en sa llargària, /

e crescendo não me deixa,

despert de nit somou, somort, de dia. /
acordada de noite e presente de dia.

Em passa això i tantes altres coses /

Acontece-me isso e tantas outras coisas

sentint-me sol que és sentir-te lluny; /

sentindo-me só que é sentir-te longe;

ho veig molt clar quan fa ja cent vint hores /

vejo-o claramente quando já passaram cento e vinte horas

que compte el temps que lentament s'esmuny. /

que conto o tempo que lentamente se desliza.


Vindrà el teu cos que suaument em poses /

Virá o teu corpo que suavemente pousas

en el meu cos quan ens sentim ben junts, /

no meu corpo quando nos sentimos bem juntos,

i floriran millor que mai les roses: /

e florirão melhor que nunca as rosas:

a poc a poc ens clourem com un puny. /

a pouco e pouco nos fecharemos como um punho.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

VI - En tu estime el món - (II)

As primeiras canções de amor e ausência são um acto notarial de namoro e contactam já com Ausiàs March, especialmente com "Veles e vents". Como que, uma vez encetada a relação, Annalisa viajará a Itália muitas vezes, para ver a família, Raimon continuará a alimentar a covalência poética "amor-distância", que atinge a sua máxima expressão em "Com un puny", canção, curiosamente, construída mais em paralelo à versificação de Ausiàs March, mas disso falaremos mais adiante. De qualquer forma, a distância evocada em "Com un puny" - e em "T'ho devia", "Quan te'n vas", "L'unica seguretat" - é diferente da de "Si un dia vols" - e da de "No sé com" e "En el record encara" -; enquanto que em "Com un puny" há a certeza do regresso, em "Si un dia vols" Raimon quase grita na angústia da incerteza.

Raimon esforça-se para tornar a relação possível. Cartas e uma viagem em cima do joelho, o último trunfo, quando se acaba o serviço militar. Vai a Roma expressamente para ver Annalisa, mas regressa sem atingir o resultado esperado. O tempo passa e quando está a dar por mortas as expectativas que lhe restavam, Annalisa responde. Encontram-se num lugar idóneo para estas questões, Paris, em Junho de 1966. E casam-se dois meses depois. Queriam fazê-lo por civil, mas a papelada era complicada e obrigava-os a uma apostasia oficial. Raimon não é crente, mas sempre respeitou e não quer passar por aquilo. Casa-os um capelão amigo de curso de Annalisa, numa cerimónia breve.

Em Les Hores Guanyades, com a sua extraordinária capacidade de síntese, posta à prova canção a canção, Raimon descreve tudo aquilo, um autêntico big bang semtimental, com uma enorme poupança enérgica de palavras:

Em Março ou Abril de 1966, e de Paris, escrevi-lhe, numa última tentativa e com a ideia resignada que tinha conhecido a mulher que me tinha feito homem entre os homens, mas que não tinha sido possível. Com grande e agradável surpresa, responde-me e ficámos a viver juntos em Paris, em Junho. Ela chegou e decidimos viver juntos. Casámo-nos em Agosto de 1966. Desde então ficámos inseparáveis e amámo-nos muito. Amamo-nos muito e compreendemo-nos.

Passaram praticamente quarenta anos e tudo continua como dantes. Uma história pouco vulgar, recolhida nas canções de amor, todas elas pensadas para a mesma mulher. Foram as primeiras que quis gravar ao elaborar a obra completa. Era um projecto insólito e inédito nos anais da cançó, e desbravar caminhos não é fácil e, ainda por cim, é insegura. Raimon não sabia se podia chegar a terminá-la e, não fosse o caso, assegurou-se de que os temas não se tinham composto sem Annalisa ficassem prontos.

Annalisa é fundamental na vida de Raimon, e na sua obra, não só na inspirada directamente nela. Annalisa deixa o seu país e o seu meio e empenha a sua criatividade profissional para que o artista cresça. É muito mais que o que, neste campo, se conhece como mánager; supera este termo por cima, porque tem capacidade de decisão estratégica sobre a abordagem da carreira do cantor, e passa por baixo, porque tem a responsabilidade das coisas mais simples que alguns mánagers não têm de fazer, desde o acompanhamento nas actuações menos espectaculares até à aprovação final das equipas de som. Annalisa, uma todo-o-terreno, faz tudo. A defesa dos interesses de Raimon também lhe requereu não fazer sempre boa cara nem assentir por sistema, e, como Annalisa é culta e educada, e tem formação em Direito, mas é irredutível como os gauleses de Asterix quando os seus interlocutores interpretam os papeis dos romanos!, e é encarada pelos que apenas a conhecem superficialmente como uma pessoa de dureza.

Mas nos momentos mais difíceis desta relação não foram os profissionais, que os houve, porque são ambos obstinados na hora de defender aquilo em que acreditam. Sem qualquer espécie de dúvida, o pior momento foi a doença de Annalisa, longa e com momentos complicados, que felizmente superou. Raimon mudou os seus hábitos, até aprendeu a conduzir ,apesar de detestar o volante, e procurou sempre que Annalisa tivesse companhia, as mínimas preocupações para lá das inevitáveis da saúde, e as máximas distracções e as pequenas satisfações quotidianas.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

VI - En tu estime el món - (I)

As primeiras canções de amor que Raimon comporia datam de 1965. E enumera-as: "Cançó d'amor núm. 1: En tu estime el món", C"ançó d'amor núm. 2: Treballaré el teu cos", "Cançó d'amor núm. 3: Si un dia vols", e "Cançó d'amor núm. 4: No sé com". Com a primeira e "En el record encara" edita um disco simples e canta-as frequentemente nos concertos, porque a ditadura não está para brincadeiras e censura as temáticas mais sociais.

O Epê "Cançons d'Amor" (1965, Edigsa)

[A canção que dá título a este capítulo,
"En tu estime el món",
é a 18 canção de Raimon na caixinha de música.
A versão que podemos ouvir foi extraída da Integral. Edició 2000.]


En tu estime el món,
la terra i la gent d'on véns,
en tu estime.

I sé que en tu és més fort el dolor
i més intensa l'alegria de viure,
i és en tu on creix la vida
i és en tu on em sent lliure.

En tu estimaria fins i tot
l'absurda vinguda de la mort,
i és en tu que estime
les dolces dimensions del teu cos.

En tu estime el món,
la terra i la gent d'on véns,
en tu estime, en tu,
perquè a tu t'estime,
en tu, en tu, en tu...

/

Em ti amo o mundo,
a terra e a gente de onde vens,
em ti amo.

E sei que em ti é mais forte a dor
e mais intensa a alegria de viver,
e é em ti onde cresce a vida
e é em ti onde me sinto livre.

Em ti amaria até
a absurda chegada da morte,
e é em ti que amo
as doces dimensões do teu corpo.

Em ti amo o mundo,
a terra e a gente de onde vens,
em ti amo, em ti,
porque te amo a ti,
em ti, em ti, em ti...


Um ano antes tinha conhecido Annalisa Corti. Há aqui uma relação de causa-efeito e uma relação pessoal que dura até hoje e que até hoje se materializou em dezassete temas, recolhidos no disco Les Cançons d'amor (1999).
Raimon e Annalisa conheceram-se em Outubro de 1964. Era amiga de amigos e achou-se a recepcioná-la no aeroporto de Manises uma tarde livre do serviço militar. Passaram alguns dias a encontrar-se. Ambos estavam, nas palavras de Raimon, "meio embrulhados", mas mais ela que ele, porque Raimon mudaria rapidamente de rumo e poria o leme em direcção ao porto de Óstia. Annalisa nasceu em Óstia em plena II Guerra Mundial. Tinha então vinte e dois anos, tinha mesmo acabado concluir o curso de Direito e era militante do Partido Comunista Italiano.

Amor e ausência combinam poeticamente muito bem, e Raimon espremeria o binómio nos textos mencionados, enquanto reabilitava um género que era castigado e maltratado pela canção mais comercial. Amores e amizades tinham sido o leitmotiv da música popular e quando parecia mesmo que aquilo era um processo de degradação irreversível, entra Raimon no espaço da mais difícil intimidade lírica e devolve realmente o nome a cada coisa, para dizê-lo espriuanamente.

domingo, 7 de setembro de 2008

V - Caminant, amics (X)

Pi de la Serra, com intencionalidade compartilhada com o autor, quando a cantava mudava uma rima:

"una cançó tan pura
que pugui passar censura" /
"uma canção tão pura
que possa passar a censura".

E o público rebentava em aplausos. "Bon temps per a fer cançons" pertence ao disco "Triat i Garbellat", de 1971, com comentário de Joan Oliver e um trio bluesístico brilhante formado pelo próprio Quico, Manolo Elías e Toti Soler.

Raimon fez de facto bons amigos entre os músicos que tocaram com ele ou que fizeram arranjos das suas canções. Michel Portal, Manel Camp, Joan Figueres, Josep Pons e Antoni Ros Marbà são os melhores exemplos.
Que fique para a história deste género da canção, que dois dos melhores directores de orquestra, os maestros Antoni Ros Marbà e [Josep] Pons, figuras maiores quando se fala nas orquestras sinfónicas Real Filharmonia de Galícia e Nacional de Espanha, que deixaram de tocar piano há muitos anos (quando o substituíram por um instrumento mais leve como a batuta, que, na verdade, traz mais sonoridade...) tocaram piano nos trinta anos de "Al Vent" para acompanhar Raimon e fizeram-no em disco. Naquele acontecimento que requer várias menções, Pons toca "Veles e vents" e Ros Marbà "Cançó del pas de la tarda", com poema de [Salvador] Espriu.

sábado, 6 de setembro de 2008

V - Caminant, amics (IX)

Pi de la Serra e Ovidi Montllor partilharam com Raimon muitos recitais e com o primeiro, sobretudo, travou uma grande amizade, que se materializou noutros aspectos para lá de partilhar muitos cartazes: Raimon escreveu o prólogo do livro de canções de Quico e a letra de um tema, "Bon temps per a fer cançons", assinada com o pseudónimo "Ramon Xiquet". É um facto invulgar que Raimon escreva para outro, o que acrescenta valor ao texto. Fê-la assim, sob a epígrafe "Letra escrita, à maneira de Pi de la Serra, no dia 25 de Janeiro de 1969".


[A canção é de uma simplicidade de génio! Uma nota em relação ao idioma catalão, pautado por muitos monossílabos e - como já tiveram oportunidade de ouvir - uma sonoridade muito portuguesa. Menciono isto - em jeito de regresso às lides, para não entrar logo a quente - porque a tradução pode ser necessária aqui ou ali. Virá após a letra original, então, para tirar uma ou outra dúvida com que fiquem. Como não podia deixar de ser, o refrão (ou espécie de...) é a melhor demonstração das possibilidades da língua, dos monossílabos e - neste caso - da comunicação da mensagem escondida. ]


Francesc Pi de la Serra - Triat i Garbellat


[A 17ª canção de Raimon na caixa de música, cantada e interpretada portanto por Pi de la Serra, "Bon temps per a fer cançons", é a original, extraída do excelente álbum Triat i Garbellat, de 1971]


Sembla que és ara bon temps
per escriure una cançó
que parlarà dels dos,
que parlarà de molts.
Una cançó que ens diga
que avui la pluja és antiga,
una cançó d'amor
- és de mal gust el dolor.
Una cançó tan pura
que pugui passar per dura.

La cançó us la vaig a dir
sense disparar cap tir.
Avui el cel és molt gris,
bon dia per a fer-se el trist.

Plou poc, però pel poc que plou, plou prou.

La ràdio diu: demà sol,
i quan ella ho diu, fa sol.
La gent va al seu treball,
sols arribar els ve un badall.
Qui pot fa la viu-viu
com a mínim fins a l'estiu.

Bon temps per a fer cançons
que ens parlin de les passions,
de les passions que desvetlla
un lluent cul de botell.
I perquè no m'avorriu
callaré sens dir ni piu,
com a mínim fins a l'estiu.

Plou poc, però pel poc que plou, plou prou...


/


Parece que este é um tempo bom
para escrever uma canção

que falará dos dois,

que falará de muitos.

Uma canção que nos diga
que hoje a chuva é antiga,

uma canção de amor

- a dor
é de mau gosto.
Uma canção tão pura

que possa passar por dura.

A canção vou dizer
sem disparar qualquer tiro.

Hoje o céu está muito cinzento,

bom dia para ficar triste.

Chove pouco, mas para o pouco que chove, chove demais.


A rádio diz: amanhã sol,

e se ela o diz, há sol.
A gente vai para o seu trabalho,

só o chegar já enche.

O que pode vai vivendo

pelo menos até ao Verão.


Bom tempo para escrever canções
que nos falem de paixões,

das paixões que desperta

o cu brilhante da garrafa.

E para que não vos aborreça

vou me calar sem dar um pio,

pelo menos até ao Verão.

Chove pouco, mas para o pouco que chove, chove demais...