quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

IV - La Cara al Vent (II)

Raimon ia atrás. Levava a moto um amigo da universidade, das Astúrias, a quem ele ia explicando a sua paisagem muito íntima; Raimon não aprenderia a conduzir até que uma doença padecida por Annalisa, felizmente ultrapassada, o obrigaria a fazê-lo. Apesar disso, não gosta nada e apenas se põe ao volante para ir comprar o pão e os jornais quando passa algum tempo na casa que tem em Xábia, aberta aos quatro ventos. O vento, a propósito, sopra a favor da criatividade de Raimon, pelo menos desde aquela viagem juvenil de Vespa: a palavra "vent" aparece treze vezes na obra que analisámos de Raimon, sem contar as referências nos versos de outros autores que musicou, a começar com "Veles e Vents". Completa a canção indo do particular anatómico para o geral, num salto espectacular. A cara, o coração, as mãos, os olhos... são uma espécie de pára-brisas natural; e, tudo junto, "al vent del món" ("Ao vento do mundo"). Depois, a viagem material vira a iniciática, a procura dos grandes ideais universais, partindo de uma realidade triste que [Raimon] começava já a identificar com o termo "nit" (noite), mais desenvolvido na canção que tem simplesmente esta palavra e o artigo. "La Nit" data de 1964 e durante muito tempo abrirá os recitais de Raimon. A noite é o cenário e graças a esta metáfora, a noite vai ser associada de uma maneira generalizada ao franquismo. Raimon, já desde a sua primeira canção, funde a noite / franquismo como ponto de pertença, mas na ideia dinâmica de a superar. Neste caso, na busca dos ideiais e com a força da energia eólica.


"Al Vent" é uma canção que nasce de um grito. O impacto físico do ar em movimento proporcionado pela velocidade tanto produz uma exclamação como levanta um aeroplano e, pouco a pouco, vai crescendo uma gravidez de letra e música. Raimon definia as suas primeiras canções como "mais fisiológicas, expressões de pura necessidade e sem ter o que quer que seja em atenção"; emprega a mesma palavra "fisiológicas" numa entrevista com Francesc Baiges; e ainda noutra, com Toni Rodríguez, usava uma terminologia similar, "necessidade biológica de me expressar", igual que com Álvaro Feito. Uma boa definição para as canções que se seguem a "Al Vent" e que vão conformar o seu primeiro disco de curta duração, aquilo a se chamava extended play ou, simplesmente, EP, editado no ano de 1963: "Al Vent", "La Pedra", "Som" e "A Colps", com uma bonita foto de Oriol Maspons na frente, que recuperámos para a capa deste livro.

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