terça-feira, 25 de agosto de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XIV)

Para lá do seu espaço na Via Laietana, havia um dossiê "Raimon" no Governo Civil de Barcelona, um maço de capa dura, e um outro no Serviço de Informação Militar, que era como se chamava então o corpo de espionagem. Um capitão general da IV Região Militar chega a fazer de Raimon motivo de preocupação na Sala de Bandeiras da cúpula do Exército.

Joaquín Nogueras, capitão general em Barcelona, distingue Raimon com esta carta endereçada ao governador civil, com data de 10 de Maio de 1972:


Exmo. Sr. Adjunto, para conhecimento de V.E., duas notas que recebo dos meus Serviços de Informação.
Não remeto outras referentes aos acontecimentos em torno do dia 1º de Maio, pese a abundância de bandeiras vermelhas com a foice e o martelo; profusão de gritos subversivos nos quais se atenta directamente contra o Chefe do Estado, etc., por considerar, não devo imiscuir-me nas funções próprias de V.E., nem muito menos julgar, que o endurecimento das acções subversivas registadas se deve à impotência das Forças de Ordem Pública, ou a uma actuação consciente e calculada, em função de directrizes recebidas.
No entanto, o conteúdo, e o claro significado, das duas Notas que se juntam não pode ser ocultado, nem deixado sem aclaração, aos Quadros Profissionais do Exército.
Os gritos "Viva Catalunha Indenpendente", e a atitude perfeitamente definida de 400 pessoas que atentam contra a unidade da Pátria, aproveitando um acto autorizado por este Governo Civil; a alusão concreta a organismos militares da Região, são factos que afectam directamente as Forças Armadas e, portanto, não posso, nem quero, manter-me passivamente à margem.
Por conseguinte peço a V.E., se achar por bem, que me informe, discretamente, das razões que levam a permitir a actuação do cantor Raymon (sic), mesmo sabendo que, sistematicamente, estas actuações são aproveitadas por elementos contrários à Unidade da Pátria. E então, se se adoptou alguma medida em relação ao dito cantor e se se efectuou alguma detenção de elementos organizados.
Por outro lado, considero de elevado interesse que me comunique se, com os meios policiais disponíveis de V.E., julga possível averiguar a origem e a organização distribuidora da propaganda subversiva intitulada Terrorismo e Direitos. Alerta! apreendida inicialmente no Hospital Clínico e na Faculdade de Medicina.
Tudo isto, com vista a eventuais acções que me veja obrigado a tomar em função e desde o ponto de vista da jurisdição da Justiça Militar.

Deus Guarde V.E. por muitos anos.
Barcelona, 10 de Maio de 1972.
O Capitão General, Joaquín Nogueras.


Perante uma pressão tão forte e evidente da máxima autoridade militar, o governador, Tomás Pelayo Ros, responde por carta que Raimon está proibido. Num novo ofício que chega à Brigada Social, onde Raimon está classificado, disse-se, como "Catalano-separatista" e as designações nominais dizem extactamente: Ramón Pelegero Sanchis, ou "Raimon".

O Governo Civil aguenta um par de anos a proibição absoluta, apenas furada por organizadores com imunidade, como a Igreja e a Universidade, e, havendo sorte, abre mão impondo três restrições importantes. Para poder cantar, Raimon tem de ser contratado por um empresário registado, disponibilizar os valores e certificados de ingressos bancários e consultar a Direcção Geral de Segurança, em Madrid.

Nestas situações tão precárias, Raimon atira-se de cabeça com o recital do Palau dels Esports. Pede a Oriol Regàs que seja o empresário de coarctada. Regàs, apesar de ter prestado diversas ajudas à oposição, é considerado pelas autoridades franquistas um frívolo proprietário de salas de jogo, o Bocaccio e o Maddox, e um restaurante de luxo, o Via Venero, que eles frequentam. Oriol Regàs tem apenas um antecedente por fechar tarde o Bocaccio e de nele ter pouca luz, facto que propicia comportamentos "lascivos". A autoridade deixa passar e o novo Governador Civil de Barcelona, Rodolfo Martín Villa, que é inteligente o suficiente para perceber que o certificado de óbito de Franco sê-lo-á também do seu regime político, quer ter um pé no futuro. Martín Villa é o dubitativo Hamlet. Não pode autorizá-lo para ficar bem com os que o nomearam, mas tem de fazê-lo porque ainda é jovem e ainda tem muita carreira política pela frente.

Autoriza-o, mas chama ao seu gabinete Raimon e Annalisa para intimidá-los e responsabilizá-los por tudo o que possa acontecer. A chamada é coerciva: "O governador diz que venham os dois". Annalisa pregunta: "Quando?". Respondem "Já". Raimon aguenta o sermão e diz-lhe que ele apenas pode ser responsabilizado pelas canções, e por nada mais. E sai.

1 comentário:

Anónimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado