terça-feira, 11 de agosto de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (VIII)

O jornalista Manuel del Arco, tido como o melhor entrevistador de formato diário curto, um género hoje extinto, publica no dia do recital da Faculdade de Direito uma entrevista muito interessante. Del Arco gozava de alguma confiança por parte do regime, e podia permitir-se, de vez em quando, a forçar a situação. A sua entrevista a Raimon sai no La Vanguardia a 13 de Março de 1970. A secção de Del Arco chama-se "Mano a Mano" e, naquele dia, sai ao lado de uma notícia segundo a qual se notificava da obrigação de requerer autorização do chefe de Estado para poder adoptar filhos, e uma outra sobre a melhoria de uma cólica dos rins do general Perón, que dera entrada na Fundação Puigvert.

Manuel del Arco conduz uma entrevista ousada. Raimon também aposta forte:

- Porque é tão caro ouvir-te aqui, ainda que agora o faças gratuitamente?
- Para mim é uma questão de burocracia.
- Papéis, carimbos e autorizações?
- Sim; assinaturas e permissões que nunca chegam a tempo, ou que simplesmente não chegam.
- É assim tão perigoso o teu idioma?
- Pode ser uma questão de opiniões; eu acho que não. Se Espanha é Europa, não vejo porque possa cantar em Catalão em França, Itália, Alemanha, tanto em actuações públicas como em televisão, e, aqui pareça estranho o meu idioma; muito mais se ouvido em salas de teatro.
- Será pelo que dizes?
- Na canção há uma censura prévia; quer dizer, que o que eu vou cantar em público é examinado antes pela autoridade competente. Não fujo às normas estabelecidas no país; não ajo fora da lei.
- Esta tua postura não prejudica a tua actividade artística?
- Se te referes ao facto de não cantar em Castelhano, não creio que isso seja limitar-me. Cantar numa língua minoritária não significa automaticamente um público reduzido. Dou um exemplo, sem sair da canção: Theodorakis canta na sua língua e é conhecido em todo o mundo. Aparentemente podia dar a impressão de que para sermos conhecidos deveríamos cantar todos em Inglês; mas eu acredito que em toda a criação artística, em geral, a qualidade impõe-se sobre as facilidades que a quantidade possa oferecer. (...)
- Mas tu cantas para exibir as tuas faculdades artísticas ou para expressar-te como jovem do teu tempo?
- Penso que as minhas possíveis faculdades artísticas são-no enquanto possam contribuir, como jovem deste tempo, para a radical transformação de uma sociedade que não queremos. A arte pode ser também maneira de interpretar o momento histórico que se vive.
- Procuras que te rotulem de cantor de intervenção?
- Quem conhece as minhas canções pode ver que fujo às etiquetas. Penso que o homem é muito mais coisas que uma canção de amor ou de denúncia por sistema. Mais, tento que nada do que nos preocupa como homens fique de fora das minhas canções. É tão importante para mim o homem só em sua casa como o homem da rua com os outros; o que, traduzido em canções, quer dizer que uma canção lírica ou uma canção civil ou colectiva têm o mesmo valor. Se alguém me rotula assim é de má fé.
- Não te sentes profissional da canção, ainda que vivas dela?
- Sim, em relação à responsabilidade e ao que supõe lutar por uma maior perfeição e rigor no meu ofício concreto, que é a canção. Ao mesmo tempo que me preocupo em conhecer toda uma cultura própria que, em certa medida, se me foi ocultada na escola; por exemplo, a mim ninguém me disse, quando estudava literatura espanhola, que Quevedo tinha traduzido poemas de Ausiàs March; fiquei a sabê-lo ao ler um livro de Martín Riquer. O que nos demonstra que noutros tempos o contacto cultural entre as diferentes culturas peninsulares era muito mais aberto e fecundo que nos nossos dias.
- Outros, que começaram como tu, vão cedendo. Não temes ficar sozinho?
- Em princípio, a solidão não me afecta. Logo, o que estou a fazer é o que estou a ser e a sentir. E depois, as dificuldades que isso possa comportar não são argumento suficiente para que eu mude a minha forma de estar no mundo.

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