quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

IV - La Cara al Vent (XIV)

À crise da língua, da mesma forma, soma-se-lhe um elemento directamente político, como se notou no caso Serrat, o compromisso da esquerda, que é posterior a 1970. Emerge com certeza pelo que viu e pelas consequências de dar para trás ao regime, que o levam a Paris, onde conhece o dirigente socialista Francesc Vila-Abadal, um dos redactores dos quatro pontos programáticos da Assemblea de Catalunya, que estava exilado. O factor político reside nesta dualidade entre a reivindicação nacional e a social que é própria do catalanismo de esquerda ou da esquerda catalanista, mas não do catalanismo conservador, que era hegemónico na Edigsa, teledirigida por Espar. Assim, Raimon sai da Edigsa.

A correspondência entre Joan Fuster e Joaquim Maluquer descortina com propriedade a face oculta do caso. Numa carta assinada por Fuster a 13 de Setembro de 1967, pouco antes da ruptura de Raimon com a Edigsa, que também foi subscrita por Pi de la Serra, ele diz que o prémio que a editora dava iria, no ano de 1966, para Raimon pelo disco ao vivo no Olympia de Paris. Era mais que evidente, pelo seu valor artístico e pelo enorme impacto que teve na Nova Cançó. Mas não lho dariam porque era um disco "político" e não queriam ter problemas com o Ministério de Información y Turismo. Raimon, diz Fuster, chateou-se e com razão: "As ideias de Raimon sobre a burguesia não são, propriamente, aduladoras". Mais tarde, volta a criticar Edigsa - lemos que Maurici Serrahima também lhe pôs nódoas. Fá-lo a partir de uma divertida referência a Jordi Nadal, que tinha organizado a viagem académica de Raimon a Aix-de-Provence para melhorar os seus conhecimentos:

Jordi Nadal - diz Fuster - o que quer é "convertir" o moço de tenor em erudito. Agrada-me. Por outro lado, os burros da editora do disco estão a deixar passar a oportunidade de vender exemplares. E de que maneira!

A opção de cantar em Catalão é política, mas também de mercado e, portanto, tem consequências económicas. O esforço de compor é igual em qualquer língua, mas o mercado potencial básico do Catalão é exponencialmente menor que o Castelhano. Aqui há um compromisso político sério, portanto, e os que tentam pôr os catalães a cantar em Castelhano sabem que todos se recusarão. Dinheiro e popularidade são iscos saborosos.


Raimon grava, como se disse, o seu segundo Ep no mesmo ano de 63, como resposta à grande procura e às expectativas geradas pela sua entrada de cavalo siciliano no mundo que era então mais espectáculo que cultura. Grava "Se'n va anar" e a meio-inócua, meio-ingénua "Disset Anys", dando cobertura ou subterfúgio à "Cançó del Capvespre", que traz do beco o melhor poeta catalão comprometido com o país e a liberdade, e a "Diguem no". Esta canção terá sérias dificuldades para passar a censura e apenas chegará a disco e aos palcos com uma mudança de título, "Ahir" [Ontem], que não quer dizer absolutamente nada, e um par de substanciais alterações na letra. Reproduzimos a original e as mudanças a negrito:

Ara que som junts
diré el que tu i jo sabem
i que sovint oblidem:

Hem vist la por
ser llei per a tots.
Hem vist la sang
-que sols fa sang-
ser llei del món.

No,
jo dic no,
diguem no.
Nosaltres no som d'eixe món.

Hem vist la fam
ser pa
dels treballadors (per a molts).
Hem vist tancats (com han fet)
a la presó (callar a molts)
homes plens de raó.

No,
jo dic no,
diguem no.
Nosaltres no som d'eixe món.
No,
diguem no.
Nosaltres no som d'eixe món



Em 1964 sai o seu terceiro Ep, com "D'un temps, d'un país", "Cançó de les mans", "Perduts" e "Tot sol", e o primeiro Lp, uma antologia comentada pelo próprio Espriu e por José Luis López Aranguren, professor de Ética na Universidade Complutense de Madrid, da qual, anos depois, seria expulso por se manifestar contra o regime. "D'un temps, d'un país" e "Cançó de les mans" apostam forte. O professor Aranguren, intelectual de peso, escreve um texto belíssimo na contracapa daquele Lp. Onde diz o seguinte:

Eu diria que Raimon contém em si uma força capaz de mobilizar as adormecidas energias de uma grande parte da nossa juventude, precisamente porque pertence por inteiro a ela, e porque, podendo "comunicar" com ela, é exigente, sabe dizer "não" às injustiças, conhecer e rejeitar as mãos que matam e as que mandam matar; e porque procura no escuro e a gritar, moço perdido na noite da cidade moderna, uma nova salvação para todos. Em suma, porque desde o fundo de si próprio se projecta para onde se dirige o Homem.

Na primeira canção, Raimon contesta a doutrina de Primo de Rivera da "dialéctica de los puños y las pistolas", com o inequívoco "no creguem en les pistoles: / per a la vida s'ha fet l'home / i no per a la mort s'ha fet". "Não acreditamos nas armas", verdadeira exclamação em defesa do direito à vida, expressa-se em forma de grito, de ordem pura e dura num verso, só e livre. Na mesma canção desaprova "la misèria necessària, diuen / de tanta gent" e proclama que "no anirem al darrere / d'antics tambors", os mitos da história militar de Espanha que a ditadura propagandeava: Viriato, o Cid Campeador, o Gran Capitán, o general Moscardó e, claro, o generalísimo Franco.

["D'un temps, d'un país" é a canção nº 11 de Raimon na caixa de música. Canção emblemática, verdadeiro hino, que foi gravada em 64, no seu terceiro Ep. Mais tarde, já saído da Edigsa, voltou a gravá-la. Essa versão, de 1968, é a canção de hoje]


D'un temps que serà el nostre,
d'un país que mai no hem fet,
cante les esperances
i plore la poca fe. /
De um tempo que será o nosso
De um país que nunca fizemos
Canto as esperanças
E lamento a pouca fé.

No creguem en les pistoles:
per a la vida s'ha fet l'home
i no per a la mort s'ha fet. /
Não acreditamos nas pistolas:
Para a vida se fez o Homem
não se fez para a morte.


No creguem en la misèria,
la misèria necessària, diuen,
de tanta gent. /
Não acreditamos na miséria,
a miséria necessária, dizem,
de tanta gente.


D'un temps que ja és un poc nostre,
d'un país que ja anem fent,
cante les esperances
i plore la poca fe. /
De um tempo que já é um pouco nosso,
de um país que já estamos a construir
canto as esperanças
e lamento a pouca fé.


Lluny som de records inútils
i de velles passions,
no anirem al darrera
d'antics tambors. /
Longe estamos de memórias inúteis
e de paixões antigas,
Não iremos atrás
de antigos tambores.

D'un temps que ja és un poc nostre,
d'un país que ja anem fent,
cante les esperances
i plore la poca fe.

D'un temps que ja és un poc nostre,
d'un país que ja anem fent.

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