Raimon, com um disco triunfante no bolso e o primeiro prémio do festival de música pop mais importante do Estado até então, está como se costuma dizer lançado na fama. A Televisão Espanhola confida-o a participar no seu programa de maior audiência, Gran Parada, que se emite aos sábados à noite. Nele, canta "Al vent" e "Diguem no"... E não volta ao pequeno ecrã - a maior, contudo, na difusão dos artistas -, até depois da morte de Franco. Seria num programa com guião de Fuster e realização de Mercè Vilaret, emitido em Abril de 77, precisamente dois meses antes das primeiras eleições democráticas.
Porém, vetá-lo na televisão não viria imediatamente. Primeiro tentariam comprá-lo para o integrarem no sistema. Era o ano de 63 e um método que falhava poucas vezes, já que fama, dinheiro e polícias a protegê-lo e não a persegui-lo, implicavam um boa soma de exploração. O primeiro isco era cantar em Castelhano em nome de uma evidente ampliação do mercado. Raimon recusa. O monolinguísmo abraça uma parte ideológica importante de todo o grupo, que começa já a ser conhecido como a Nova Cançó. Cinco anos depois, o caso de Serrat e o Festival da Eurovisão assentava nesta linha. Serrat chega aos palco sem a formação intelectual e política de Raimon, e, além disso, é filho de mãe falante de Castelhano, de Belchite; tudo unto faz com que aceite ao princípio representar Espanha no Festival da Canção da Eurovisão do ano de 68 cantando um tema em Castelhano, um tema nem mais nem menos que do Dúo Dinámico, formado por dois consentidos pelo franquismo. O tema, literariamente, chama-se apenas "La, la, la". Não está nem à altura da canção comercial com algumas pretensões estéticas, como hoje a "Ponte de rodillas" que, inspirando-se no gospel, Teddy Bautista e Los Canarios tinham levado ao topo das listas de vendas daquele ano. Por fim, Serrat sente-se mal com a maquinação e diz que em Catalão ou nada.
Nesta espinhosa situação, da mesma forma, com a perspectiva histórica, deve dizer-se que o caso de Serrat tem um fundo que está para lá da questão de língua. Serrat apresenta-se, naqueles começos, mais como um cantor comercial de qualidade que como um cantor comprometido civicamente. O seu representante, Lasso de la Vega, é-o também do Dúo Dinámico - não por acaso autores de "La, la, la" - e a sua ideia principal é vender discos; a promoção que se faz de Serrat com "La, la, la" é impressionante. Enquanto Raimon, em 1968, está a cantar para trabalhadores e estudantes metidos em organizações clandestinas e é proibido, aceitar representar a Espanha franquista num festival internacional, transmitido pela televisão, supera o factor linguístico.
No começo do multicultural século XXI pode ser difícil entender que um compromisso cívico se baseasse na fidelidade a um idioma e que essa fidelidade implicasse ter de prescindir de outras. Mas a ucronia [desenvolvimento imaginário de um facto histórico como se ele tivesse sido real] ou o "pressentismo" estão rendidos à história. Quando a Canção Catalã irrompe, os sectores mais combativos interpretavam que compaginar Catalão e Castelhano era fazer uma concessão ao inimigo, quando não mesmo traição. A luta pela conservação de um idioma que queriam liquidar, a "maltractada llengua" segundo a adjectivação de Raimon, exigia para muitos um compromisso sem meias-tintas. Espriu tinha bem presente que a milenária língua catalã estava em perigo de extinção, que falava de "salvar as palavras" como valiosos tesouros, como seres de uma espécie em vias de extinção. Mas, felizmente, o Catalão sobreviveu e, anos depois, Núria feliu, a primeira cantora a dar um passo pelo bilingúismo, seria uma militante muito especial de um partido tão catalanista como Convergència Democràtica, sem que a história lhe passasse factura. Mas na altura, a Nova Cançó entra em crise e a unidade abre brechas.
Raimon interiorizou muito a questão da língua. Quando pensa em voz alta, gira em torno deste discurso:
A mim propuseram-me, obviamente, cantar em Castelhano, e até em Inglês! Mas eu sei que as possibilidades expressivas maiores tenho-as na minha língua. As minhas imagens penso-as na minha língua. O facto de que seja minoritária não quer dizer que não tenha de existir. Eu sou a favor da biodiversidade, mas também linguística, não só relativa à flora e à fauna, mas também no aspecto humano. No mundo da globalização, há o perigo que desapareça tudo o que é minoritário, tudo aquilo que não é padronizável. A diversidade ainda não está garantida.
Quando alguém canta em Castelhano, em Francês ou em Inglês, ninguém faz preguntas, é normal que cante na sua língua. Porque é que nós temos de dar tantas explicações? Pois bem, eu tenho assumido tudo isso e não só pelo compromisso cívico, mas também pelo estético, porque eu sei que é na minha língua que posso fazer melhor o meu trabalho.
Porém, vetá-lo na televisão não viria imediatamente. Primeiro tentariam comprá-lo para o integrarem no sistema. Era o ano de 63 e um método que falhava poucas vezes, já que fama, dinheiro e polícias a protegê-lo e não a persegui-lo, implicavam um boa soma de exploração. O primeiro isco era cantar em Castelhano em nome de uma evidente ampliação do mercado. Raimon recusa. O monolinguísmo abraça uma parte ideológica importante de todo o grupo, que começa já a ser conhecido como a Nova Cançó. Cinco anos depois, o caso de Serrat e o Festival da Eurovisão assentava nesta linha. Serrat chega aos palco sem a formação intelectual e política de Raimon, e, além disso, é filho de mãe falante de Castelhano, de Belchite; tudo unto faz com que aceite ao princípio representar Espanha no Festival da Canção da Eurovisão do ano de 68 cantando um tema em Castelhano, um tema nem mais nem menos que do Dúo Dinámico, formado por dois consentidos pelo franquismo. O tema, literariamente, chama-se apenas "La, la, la". Não está nem à altura da canção comercial com algumas pretensões estéticas, como hoje a "Ponte de rodillas" que, inspirando-se no gospel, Teddy Bautista e Los Canarios tinham levado ao topo das listas de vendas daquele ano. Por fim, Serrat sente-se mal com a maquinação e diz que em Catalão ou nada.
Nesta espinhosa situação, da mesma forma, com a perspectiva histórica, deve dizer-se que o caso de Serrat tem um fundo que está para lá da questão de língua. Serrat apresenta-se, naqueles começos, mais como um cantor comercial de qualidade que como um cantor comprometido civicamente. O seu representante, Lasso de la Vega, é-o também do Dúo Dinámico - não por acaso autores de "La, la, la" - e a sua ideia principal é vender discos; a promoção que se faz de Serrat com "La, la, la" é impressionante. Enquanto Raimon, em 1968, está a cantar para trabalhadores e estudantes metidos em organizações clandestinas e é proibido, aceitar representar a Espanha franquista num festival internacional, transmitido pela televisão, supera o factor linguístico.
No começo do multicultural século XXI pode ser difícil entender que um compromisso cívico se baseasse na fidelidade a um idioma e que essa fidelidade implicasse ter de prescindir de outras. Mas a ucronia [desenvolvimento imaginário de um facto histórico como se ele tivesse sido real] ou o "pressentismo" estão rendidos à história. Quando a Canção Catalã irrompe, os sectores mais combativos interpretavam que compaginar Catalão e Castelhano era fazer uma concessão ao inimigo, quando não mesmo traição. A luta pela conservação de um idioma que queriam liquidar, a "maltractada llengua" segundo a adjectivação de Raimon, exigia para muitos um compromisso sem meias-tintas. Espriu tinha bem presente que a milenária língua catalã estava em perigo de extinção, que falava de "salvar as palavras" como valiosos tesouros, como seres de uma espécie em vias de extinção. Mas, felizmente, o Catalão sobreviveu e, anos depois, Núria feliu, a primeira cantora a dar um passo pelo bilingúismo, seria uma militante muito especial de um partido tão catalanista como Convergència Democràtica, sem que a história lhe passasse factura. Mas na altura, a Nova Cançó entra em crise e a unidade abre brechas.
Raimon interiorizou muito a questão da língua. Quando pensa em voz alta, gira em torno deste discurso:
A mim propuseram-me, obviamente, cantar em Castelhano, e até em Inglês! Mas eu sei que as possibilidades expressivas maiores tenho-as na minha língua. As minhas imagens penso-as na minha língua. O facto de que seja minoritária não quer dizer que não tenha de existir. Eu sou a favor da biodiversidade, mas também linguística, não só relativa à flora e à fauna, mas também no aspecto humano. No mundo da globalização, há o perigo que desapareça tudo o que é minoritário, tudo aquilo que não é padronizável. A diversidade ainda não está garantida.
Quando alguém canta em Castelhano, em Francês ou em Inglês, ninguém faz preguntas, é normal que cante na sua língua. Porque é que nós temos de dar tantas explicações? Pois bem, eu tenho assumido tudo isso e não só pelo compromisso cívico, mas também pelo estético, porque eu sei que é na minha língua que posso fazer melhor o meu trabalho.
[Já que está disponível, aqui vai a "La, la, la", cantada por Serrat. O vídeo, percebe-se, é da versão em Castelhano, mas o som é da versão em Catalão...]
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