domingo, 3 de fevereiro de 2008

IV - La Cara al Vent (XI)

Os passos decisivos que trilha no mundo da canção fazem-no desistir de dedicar-se à História, concretamente a ser professor na cátedra do doutor Reglà, que já lhe tinha oferecido lugar para seu ajudante, no mesmo ano de 1963 em que obtém a licenciatura académica e a Edigsa edita o seu primeiro disco de quatro temas. Raimon vive em Barcelona em casa de Enric Gispert, que além de o orientar musicalmente, procura levá-lo por bom caminho um jovem sozinho numa cidade de alta probabilidade de "dissipação" [gostei da expressão original...]; Anna Nubiola, a esposa de Gispert, de sólidas convicções morais, ajuda-o, e Raimon, que é o contrário de um cabeça no ar, aceita uma ser por ela gerido. Até que, com o tempo, se tornará um grande praticante e defensor, com a salvaguarda de que falemos de ordem e de organização nas suas acepções funcionais e não imperativas.

No ano de 63, em suma, também se apresenta e ganha o V Festival de la Cançó del Mediterrani, que aconteceu nos dias 20, 21 e 22 de Setembro. Era um certame similar a outros que se faziam, como hoje o de San Remo, destinado a tornar comerciais canções comerciais, que as editoras discográficas apresentavam de acordo com os seus objectivos de promoção. Tinham-no ganho até então nomes pouco conhecidos como Claudio Villa, Nana Mouskouri e Robert Jeantal, e os os pré-destinados a levar o galardão daquela vez era um trio com um nome artístico explosivo, mas em realidade inofensivo, TNT (Tim, Nelly, Tom). Não valiam nada, mas defendiam uma canção que iniciaria a campanha propagandística dos XXV Años de Paz, que segundo o calendário franquista se assinalavam em 1964; eram, portanto, os candidatos oficiais. A canção, de Isidre Sola e Carles Laporta, levava como título "Paz", aquela paz fictícia que Raimon destroçaria em tantas canções, especialmente em "Sobre la Pau", composta em 1967 e dedicada a Che Guevara, morto naquele ano vítima de uma embuscada da CIA.

A fictícia paz edulcorada dos TNT juntava demasiada ideologia do nacionalcatolicismo, era como uma prece feita hino de grandes palavras que todos os fascismos têm invocado para violá-las sistematicamente. José María Pemán, um dos escritores oficiais do Movimiento Nacional, ao escrever o hino do Congresso Eucarístico de Barcelona, celebrado em 1951, incluiu nela tanta "paz" que a viam como o principal activo, como a unidade que postulavam, desde os textos de Primo de Rivera até ao pluralismo nacional de Espanha. A letra de "Paz", protótipo da canção fraca e sem vocativos invocando o Senhor, dizia:

You voy sembrando canciones
al mundo por toda la paz
porque el que siembra ilusiones,
recoge frutos de paz.

Paz, Señor, en el cielo y la tierra,
paz, Señor, en las olas del mar,
paz, Señor, en las flores que mueren
sin saberlo la brisa al pasar.

Tú que has hecho las cosas tan bellas
y les has dado una vida fugaz,
pon, Señor, tu mirada sobre ellas
y devuelve a los hombres la paz.

Hoy he visto, Señor, en el cielo
suspendido en un rayo de luz
dos palomas que alzaron el vuelo
con sus alas en forma de cruz.

Haz, Señor, que vuelvan a la tierra
las palomas que huyeron, Señor,
y la mecha que enciende la guerra
se confunda con la paz y el amor.


Era muito bom, até, que os defensores deste subproduto fossem estrangeiros para demonstrar que a autarquia [Catalunha] tinha morrido. "Paz" nascia destinada a ser banda sonora de uma montagem propagandística, como resposta à onda de protestos que desencadearam em 1963, no interior e exterior, a greve dos mineiros das Astúrias e consquente solidariedade sentida por todo o lado, e a execução de Julián Grimau. A saturação da jurisdição militar e a péssima imagem que dava ao estrangeiro levar civis a conselhos de guerra, vão forçá-los a criar o Tribunal de Orden Público, instância especial para a repressão de qualquer exercício de liberdades democráticas, que a ditadura maquilhava com o objectivo de manter a paz. Esta é a paz com a qual Raimon reduz a pó a ficção franquista:


[E aqui fica a canção número 9 na caixa de música, Sobre la Pau. A versão em escuta é a do explosivo e marcante concerto de Madrid, "El Recital de Madrid", editado em 76. Podia ser outra, mas foi esta. A versão, digo...]

De vegades la pau
no és més que por: /
Às vezes a paz
não é senão medo:
por de tu, por de mi,
por dels homes que no volem la nit. /
Medo de ti, medo de mim,
medo dos homens que não queremos a noite.

De vegades la pau
no és més que por.

De vegades la pau
fa gust de mort. /
Às vezes a paz
sabe a morte.

Dels morts per sempre,
dels que són només silenci. /
Dos mortos para sempre,
dos que são apenas siêncio.

De vegades la pau
fa gust de mort.

De vegades la pau
és com un desert
sense veus ni arbres,
com un buit immens on moren els homes. /
Às vezes a paz
é como um deserto,
sem vozes nem árvores,
como um vazio imenso os homens morrem.

De vegades la pau
és un desert. /
Às vezes a paz
é um deserto.

De vegades la pau
tanca les boques
i lliga les mans,
només et deixa les cames per fugir.
De vegades la pau. /
Às vezes a paz
fecha as bocas
e ata as mãos,
só te deixa as pernas para fugir.
Às vezes a paz.

De vegades la pau
no és més que això:
una buida paraula
per a no dir res.
De vegades la pau. /
Às vezes a paz
não é mais que isso:
uma palavra vazia
para não se dizer nada.
Às vezes a paz.


De vegades la pau
fa molt més mal;
de vegades la pau
fa molt més mal.
De vegades la pau. /
Às vezes a paz
faz muito mais mal.

Às vezes a paz
faz muito mais mal.
Às vezes a paz.

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