domingo, 13 de setembro de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XIX)

A eles ["Tots els bons"] é dirigida um tipo de canção - "o meu canto quer ser plural com o perfume do mundo dos outros" - que nada tem a ver com a música moderna que se persiste como amestradora de mentalidades sociais, na linguagem marxista, alienação. Raimon explica que tipo de canção faz e a quem a dirige. Em "No em mou el crit", de 1966, traça uma metodologia ou poética. O motor da sua obra não são os tópicos da canção comercial, é a gente que luta, a começar pelos trabalhadores, esta marca de classe que atravessa de cima a baixo a obra raimoniana, e não esquece os que vão com medo aos seus recitais:

Raimon a l'Olympia - 1966

[Esta canção, a 29ª de Raimon na caixa de música, aparece registada pela primeira vez no disco ao vivo no Olympia. É essa mesma versão que podemos ouvir.
]


No em mou al crit
ni ocells ni flors.
Tu, tu que treballes
de sol a sol.
Tu, tu que notes i vius
tota la por.
Tu em mous al crit,
ni ocells, ni flors. /
Não me movem ao grito
nem pássaros nem flores.
Tu, tu que trabalhas
de sol a sol.
Tu, tu que sentes e vives
todo o medo.
Tu moves-me ao grito,
não os pássaros ou as flores.


Tu, que estimant entre els homes
et deixen sol.
Tu, a qui el teu món nega
tot consol. /
Tu, que amando entre os homens
te deixam só.
Tu, a quem o teu mundo nega
todo o consolo.


No em mou al crit
ni ocells ni flors.
Un món que ja és ben viu
en altres llocs.
Un món que ací ofeguen,
però no mor.
No em mou al crit
ni ocells, ni flors. /
Não me movem ao grito
nem pássaros nem flores.
Um mundo que já é bem vivo
noutros lugares.
Um mundo que aqui asfixiam,
mas não morre.


Tu, tu que m'escoltes
amb certa por.
Tu em mous al crit,
no ocells, no flors. /
Tu, que me ouves
com certo medo.
Tu moves-me ao grito,
não os pássaros ou as flores.


Tu em mous al crit.
Tu em mous al crit.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

No oblidarem mai!

No oblidarem mai aquell 11 de Septembre.



Não tenhamos ilusões: os instrumentos do poder são feitos à imagem de quem os detém.
Os média são um instrumento de poder.
O poder político é um instrumento de poder.
A capacidade de executar as leis (aquilo a que costumamos chamar Justiça, e que é justa ou injusta consoante são justos ou injustos os que a executam) é um instrumento de poder.

Não tenhamos ilusões: enquanto carrascos assim não forem julgados e condenados (viram como Pinochet morreu sem ir preso?), saibamos lê-lo: é um tipo de poder que continua vigente.

Por isso, não podemos esquecer o 11 de Setembro de 1973.
Pela mesma razão, não podemos esquecer o 11 de Setembro de 2001.

(acho deveras estranho o vídeo que se segue ainda não ter sido eliminado (hoje em vez de bombed or killed o sinónimo é mais soft: chama-se deleted) pelo Poder que nos governa. Vamos ver quanto tempo resiste...) E se o leitor que isto lê não aguenta suportar o peso da verdade, continue a ver a telenovela do dia-a-dia. Faça bom proveito e recuse comida do seguinte teor.)




quarta-feira, 9 de setembro de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XVIII)

A delicada Roig, romancista de grande sensibilidade, esvaziava todo o carregador da sua máquina de escrever. A imagem da vida da rua contra a morte da residência do ditador no palácio de El Pardo é chocante. Mas a lucidez da escritora deixa passar alguns dos itens que formalizam Raimon comprometido civicamente.

Não puderam liquidá-lo.
A ditadura agoniza e Raimon está em plenitude de faculdades. Começam a arranjar formas mais subtis - sem falar da actuação policial -: acusam-no de tudo o que podem, com o tópico sempre enfatizado de ter o coração à esquerda e a carteira à direita, movem campanhas nos jornais e um chega mesmo a inventar um "De Raymond", que se espalha ao comprido como cantor, não sem posar antes com roupa interior nas revistas do destape que proliferam naqueles anos de onanismo. Jesús Amilibia estreava a sua coluna na Hola, enquanto sinal de identidade da imprensa da badalhoquice e da boa sociedade, com uma entrevista em que De Raymond diz: "Não são só as mulheres que se destapam nos filmes. Os homens também têm direito. Neste filme faço duas cenas com dois completamente nus... é muito forte." O que era forte era que a ilustração de um tema tão substancial fosse uma foto de Raimon, neste teor: "O cantor valenciano De Raymond, durante a sua recente e brilhante actuação no Palácio Municipal de Desportos de Barcelona".

Raimon é porta-voz de todo um povo. Com os seus versos, produto de muita reflexão, de pensar em voz alta, retira da clandestinidade as ideias de emancipação social e nacional, de luta contra todo o tipo de injustiça e em especial contra a repressão, que trava o que faz e atemoriza o que quer fazer. Ir aos recitais de Raimon é inquietante, pode acontecer tudo, pode haver intervenção da polícia; dá medo, até, passar a fronteira com os seus discos registados em França. Maurici Serrahima tem-no escrito nas suas memórias, já antes citadas; refere-se a Agosto de 1966:

Os trâmites da aduana francesa eram elementares. (...) Tampouco a alfândega espanhola nos chateou muito - tínhamos a preocupação dos discos de Raimon - e entrámos em Camprodon com tempo para dar e vender.

Nos recitais, as frases-síntese são amplificadas pela rubrica coral dos aplausos e, ao acabar, é Raimon que aplaude o público na sua prévia dimensão de povo. É o que Manuel Sacristán dá a entender, no seu prólogo ao livro de Raimon Poemas i Cançons: "Com todos os bons que o acompanham." Este verso de Jordi de Sant Jordi, da canção "Desert d'amics", descreve um colectivo, o da gente comprometida que estava ao lado do autor na luta que o levou à prisão. Um preso do século XV que lembra os companheiros. "Mas não me retracto, porque fiz o meu dever / com todos os bons que me acompanham." Todos os bons, metáfora das vanguardas lutadoras.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XVII)

Naquela noite, Raimon estreava "Jo vinc d'un silenci", tão mencionado no relatório policial. Podemos escutá-la no CD n. 10, intitulado "Directes i alguns indirectes", da Nova Intergral. Edição 2000. Para contrapor a versão policial daquele concerto histórico, reproduz-se o artigo que Montserrat Roig escreveu no semanário Treball, órgão clandestino do PSUC, o que obrigava a assinar com pseudónimo. Montserrat Roig, como George Sand, assinava com nome de homem: "Capitão Nemo", a personagem de Jules Verne em 20 Mil Léguas Submarinas. Montserrat Roig, amante de Brahms e admiradora de Raimon, prescindia da arte e lançava uma proclamação (10 de Novembro de 1975):

Enquanto o ditador que provocou uma guerra agoniza, mais de oito mil pessoas - e muitas ficaram à porta - concentraram-se para manifestar o desejo de paz e de mudança democrática. Isso foi o que representou o recital que Raimon deu no Palau dels Esports de Montjuïc, no passado dia 30 de Outubro. A pouco e pouco, com calma, com serenidade, que nada tem a ver com a que proclamam os franquistas, gente de todas as idades foi chegando ao Palau dels Esports. Que os unia? Unia-os a necessidade de se afirmarem colectivamente como povo, de expressar o desejo de liberdade. E não só afirmaram tudo isso, como também qual é hoje o estado de espírito de dezenas, de centenas de milhares de pessoas: a disposição para o combate político, a disposição a não deixar que os nossos destinos - os destinos de todo o povo - continuem manipulados à distância por uma pequena oligarquia corrompida, agora que o ditador se acaba.

A imprensa legal já menosprezou o magnífico espectáculo no Palau dels Esports. Os aplausos repetiam-se, os gritos de "Llibertat", "Amnistia!", "Visca l'Assemblea de Catalunya!" serviam de contraponto das canções de Raimon. De quando em vez surgiam milhares de pequenas luzes de diversos lugares do Palácio, luzes que se multiplicavam até iluminar todo o recinto. Uma só luz não se sente, mas tantas e tantas luzes demonstram-nos, uma vez mais, que somos, como diz um dos versos de Espriu cantados por Raimon, um povo que não se resigna a morrer.

Não foi um acto de consagração de um artista. Enquanto o público aplaudia Raimon, este, por diversas vezes, aplaudia o público - como dantes faziam os oradores nos encontros políticos - simbolizando o carácter comunitário do que se passava naquela noite no Palau dels Esports; simbolizando tudo o que era um episódio da grande marcha colectiva para a liberdade, na qual o artista, o líder, a personagem, não é senão o porta-voz da massa, de todo um povo.

Era um povo cheio de vida o que gritava, perante a morte que arruma El Pardo e seus fantoches apegados a um poder que se rompe. Um povo que tinha sabido dizer, uma vez mais, que só a união nos pode levar à vitória definitiva.

sábado, 5 de setembro de 2009

Jo vinc d'un silenci



Penso que esta interpretação é a do recital de Montjuïc.
Extraída de um filme sobre a Nova Cançó e que, ou muito me engano, não está acessível ao grande público. Esta é das poucas cenas disponíveis.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XVI)

Este é o atestado que fez engrossar a ficha de Ramon Pelegero Sanchis, alias "Raimon", nos arquivos metálicos das dependências da Prefectura Superior de Policia, na Via Laietana:

Às 22:45 horas de ontem teve lugar no Palácio Municipal de Desportos de Montjuïc, autorizado por este Governo Civil, o recital de canções interpretado pelo cantor "Raimon" [sic, entre aspas, como alias]. Ao acto assistiram umas 10 mil pessoas, entre homens e mulheres, na sua maioria jovens de uns 20 a 22 anos de idade, eles de cabelo comprido.
Durante as canções, tanto ao princípio como ao final das mesmas, quando as letras aludiam à luta silenciosa, como era a chamada "Jo vinc d'un silenci", que teve de repetir ante a insistência do público, que irrompia em aplausos e gritos de "liberdade, liberdade" e "fora o actual Regime!", os espectadores actuavam como uma massa enfurecida.

Finalizada a primeira parte e visto o cariz que o espectáculo estava a tomar, solicitou-se reforço da Polícia Armada, que se situou com os seus carros à frente do Pavilhão Municipal dos Desportos, junto ao Parque de Bomberos, desalojando todos os veículos estacionados em frente ao Pavilhão, a maioria propriedade dos empregados do Palácio Municipal, para que desta forma se pudesse facilitar a actuação da Força Pública se fosse preciso.

Dados os ânimos exaltados de todo o público, foi impossível suspender o recital, para evitar que se produzisse um confrontamento entre a Força Pública e os assistentes, pelo que se deixou continuar a celebração do espectáculo, advertindo o cantor que o terminasse quanto antes. Assim, ordenou-se aos empregados do pavilhão que, mal acabasse a actuação, abrissem todas as portas para facilitar a evacuação do local com a maior rapidez possível.

Uma vez finalizada a actuação do cantor, que ante a insistência do público teve de repetir a canção "Jo vinc d'un silenci", aplaudida com os sabidos gritos subversivos, o público começou a desfilar uns cinco minutos depois de acabar tal actuação, mas antes de abandonar o local, alguns espectadores gritaram "Abaixo o regime" e "Queremos celebrar uma Assembleia de irmãos catalães, com liberdade". O espaço ficou completamente vazio de público após 15 minutos, sem que se tivesse produzido qualquer alteração, indo os assistentes em várias direcções, permanecendo a Força concentrada até que estivesse desepejada de público.

A actuação deste cantor acabou às 00:20 horas, significando que em todas as canções aplaudia ao final das mesmas ao uníssono do público e em particular, quando este irrompia em gritos subversivos.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XV)

O ambiente está aceso. O recital tem lugar no mesmo dia em que Franco passa os seus poderes ao príncipe João Carlos. Raimon sentou nas primeiras filas do recinto, repleto de gente e pressão, os representantes da Assembleia da Catalunha, que reúne todas as forças políticas que luta pelas liberdades democráticas e nacionais: Pere Ardiaca, Joan Armet, Josep Benet, Jordi Carbonell, Joan Cornudella, Paco Frutos, Raimon Obiols, Jordi Pujol, Joan Reventós, Miquel Roca Junyent, Joan Colomines, Josep Solé Barberà, Jordi Solé Tura, Lluís M. Xirinacs... Também estão os advogados do fuzilado "Txiki", Marc Palmés e Magda Oranich. Agitam-se bandeiras, gritam-se frases e os aplausos corroboram os versos tornados funcionalmente consigna. Quando canta "Jo vinc d'un silenci / antic i molt llarg, / de gent sense místics / ni grans capitans", uma voz do público grita com força: "Que morra!".
Dez mil pessoas aplaudem.


No intervalo, apagam-se as luzes, acendem-se isqueiros e lanternas enquanto se lê um comunicado da Assembleia da Catalunha e se distribuem panfletos. A polícia não o pode permitir, entra no camarim e pede a Raimon para que suspenda o recital. Raimon arrisca alto: "O governador responsabilizou-me e tenho a sua permissão e a sua palavra. Sei até onde posso ir. Se o interromper será pior, verão". Funciona. Êxito de massas, de convocatória e de concentração, que vai parar à Assembleia da Catalunha, através de Xavier Folch, contacto habitual do mundo intelectual com o órgão unitário. A Assembleia tinha usado "Diguem no" como slogan na sua campanha "contra a ilegalidade fascista", promulgada por acordo da sua Comissão Permanente, no dia 12 de Novembro de 1972.