Depois do êxito artístico, social e político do Palau dels Esports, Raimon pensa fazer algo parecido em Madrid, também ao laod de Oriol Regàs e empregando muito jornalista. Manuel Vázquez Montalbán, sob o pseudónimo de "Sixto Cámara", um alter-ego que supostamente vive em Madrid, escreve uma bela coluna no semanário Triunfo (31 de Janeiro de 1976), periódico essencial para entender o jornalismo democrático em tempo de ditadura. Nela se encontra uma citação livre de Raimon quando diz "a Lei Antiterrorista fechava toda a espécie de bocas e mãos". Começa com uma premonitória frase, que infelizmente se cumpriria:
Se a autoridade não o impedir e o tempo histórico o permitir, Raimon vai cantar a Madrid, saltando por cima de uma ausência de vários anos. Ainda recentes os ecos da sua actuação no Palácio dos Desportos de Barcelona naqueles dias escuros em que a agonia de Franco tinha disparado os sinais de alarme, a Lei Antiterrorista fechava toda a espécie de bocas e mãos, os democratas acreditavam estar a viver uma marcha atrás no escuro túnel do tempo, deste tempo, destes trinta e seis anos de tempo. Lembro uma conversa telefónica com Raimon por aqueles dias. Convidava-me a voar até Barcelona para assistir ao acto do Palau dels Esports, "palau" que com as façanhas de Raimon e Llach adquiriu tanto significado na história da Catalunha e de Espanha como o Palau de la Música.
- Anima-te, Sixto. O acto força a gente a recuperar o moral. Há uma perda geral de iniciativas.
Assisti ao acto e dou fé - ão podia dá-la então porque o Triunfo estava fechado - de que quase nove mil espectadores recuperaram a fala e a consciência de uma certa "comunhão dos santos". Foi um acto emocionado, algo crispado, entre a catacumba e a rua, estimulante. Se se bebe uma, duas, três, quatro, cinco garrafas de vinho com Raimon, parece que estamos a bebê-las com um intelectual pré-revolucionário, ultimamente fascinado pelo papel do Estado não só na sociedade capitalista, mas sobretudo na socialista. É um Raimon muito lido, ainda que os frágeis óculos não escondam totalmente uma vitalidade quase agrária, valencianíssima. Quando Raimon surge num palco produz-se um milagre de transubstanciação e o furacão de Xàtiva sopra o vento histórico poderoso sem outro acompanhamento que o da guitarra. Entre Raimon e o público estabelece-se uma ligação política total e conformam juntos um ser vibrante, épico, duro como quartzo. É uma relação curiosa. Raimon exige ao público compromisso político. O público exige a Raimon que seja exigente com o público. Em mangas de camisa, com as mãos ocupadas pela guitarra, sob um foco de luz que delimita o escasso território de um homem que canta só, com as palavras mais económicas, justas, necessárias, com uma música suficiente surgida da memória melódica popular, Raimon agiganta-se e agiganta o público. De alguma forma é, de facto, um milagre. E é o milagre da recuperação colectiva da razão histórica, no duplo sentido da razão racional e da razão lógica. A reivindicação da Razão e das razões de uma colectividade e dentro destas, das peculiares da colectividade catalã e das forças democráticas, populares, progressistas.
A última vez que vi Raimon e Annalisa, sua companheira, falámos de Gramsci. E a este grande teórico devíamos regressar para explicar definitivamente o fenómeno Raimon. Toda a sua força cénica não nasce apenas da raiva e da razão. Tem o seu esqueleto nessoutro Raimon lido, cujos frágeis óculos não escondem por completo uma vitalidade agrária, valencianíssima.
Se a autoridade não o impedir e o tempo histórico o permitir, Raimon vai cantar a Madrid, saltando por cima de uma ausência de vários anos. Ainda recentes os ecos da sua actuação no Palácio dos Desportos de Barcelona naqueles dias escuros em que a agonia de Franco tinha disparado os sinais de alarme, a Lei Antiterrorista fechava toda a espécie de bocas e mãos, os democratas acreditavam estar a viver uma marcha atrás no escuro túnel do tempo, deste tempo, destes trinta e seis anos de tempo. Lembro uma conversa telefónica com Raimon por aqueles dias. Convidava-me a voar até Barcelona para assistir ao acto do Palau dels Esports, "palau" que com as façanhas de Raimon e Llach adquiriu tanto significado na história da Catalunha e de Espanha como o Palau de la Música.
- Anima-te, Sixto. O acto força a gente a recuperar o moral. Há uma perda geral de iniciativas.
Assisti ao acto e dou fé - ão podia dá-la então porque o Triunfo estava fechado - de que quase nove mil espectadores recuperaram a fala e a consciência de uma certa "comunhão dos santos". Foi um acto emocionado, algo crispado, entre a catacumba e a rua, estimulante. Se se bebe uma, duas, três, quatro, cinco garrafas de vinho com Raimon, parece que estamos a bebê-las com um intelectual pré-revolucionário, ultimamente fascinado pelo papel do Estado não só na sociedade capitalista, mas sobretudo na socialista. É um Raimon muito lido, ainda que os frágeis óculos não escondam totalmente uma vitalidade quase agrária, valencianíssima. Quando Raimon surge num palco produz-se um milagre de transubstanciação e o furacão de Xàtiva sopra o vento histórico poderoso sem outro acompanhamento que o da guitarra. Entre Raimon e o público estabelece-se uma ligação política total e conformam juntos um ser vibrante, épico, duro como quartzo. É uma relação curiosa. Raimon exige ao público compromisso político. O público exige a Raimon que seja exigente com o público. Em mangas de camisa, com as mãos ocupadas pela guitarra, sob um foco de luz que delimita o escasso território de um homem que canta só, com as palavras mais económicas, justas, necessárias, com uma música suficiente surgida da memória melódica popular, Raimon agiganta-se e agiganta o público. De alguma forma é, de facto, um milagre. E é o milagre da recuperação colectiva da razão histórica, no duplo sentido da razão racional e da razão lógica. A reivindicação da Razão e das razões de uma colectividade e dentro destas, das peculiares da colectividade catalã e das forças democráticas, populares, progressistas.
A última vez que vi Raimon e Annalisa, sua companheira, falámos de Gramsci. E a este grande teórico devíamos regressar para explicar definitivamente o fenómeno Raimon. Toda a sua força cénica não nasce apenas da raiva e da razão. Tem o seu esqueleto nessoutro Raimon lido, cujos frágeis óculos não escondem por completo uma vitalidade agrária, valencianíssima.
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