domingo, 28 de junho de 2009

VII - Crec que també és ma casa (V)

Ao longo da sua vida, a capacidade de Raimon abrir caminhos não se esgotou. Foi o primeiro a atravessar as fronteiras a cantar em Catalão. Passou dos pequenos espaços para o grande reconhecimento. Sem mais ninguém. Levou as suas canções ao papel pautado e ao livro, que foi prologado pelo que foi, sem dúvida, o maior pensador marxista espanhol, Manuel Sacristán. Foi ele mesmo objecto de um livro de um escritor tão reconhecido como o próprio Fuster. Foi o primeiro a registar a sua obra completa numa caixa, etc. O Raimon pioneiro é uma característica da sua trajectória que começa logo nos começos. Podíamos também falar do Raimon engenheiro de caminhos na temática da sua obra, mas tal levar-nos-ia imediatamente aos seus imitadores, que voluntária e felizmente, não são objecto deste livro. Outra coisa são os que honestamente lhe atribuem a paternidade, como o grupo galego de Bibiano - uma cor de voz belíssima -, Benedicto, Miro Casabella..., e os occitanos que Claude Martí liderava.


Raimon, quando as proibições o não impedem, dá recitais praticamente todas as semanas durante a década que vai de 1965 a 1975. Os circuitos catalanistas e de esquerdas, com o apoio da Igreja, no que concerna a infra-estruturas - paróquias, centros católicos -, organizam uma rede de espectáculos paralela que chega a ser tão forte que os jornais se vêem obrigados a publicar todas as sextas-feiras um programa de actuações estritamente de Canção Catalã. O boom desvirtuará o género e conferir-lhe-á uma conjuntura e um sentido politicamente utilitário que depois, com a chegada da democracia, passará factura aos que eram puros produtos do momento. Raimon sempre se pautou pela chaves estética e comunicação, porque, como então disse o professor Valverde, "não há estética sem ética". Tudo isto fez dele um artista não efémero nem com data de caducidade, que chegou aos nossos dias em plenitude criativa.


Mas se havia hiatos de recitais, as condições não eram boas. Havia braços-de-ferro políticos: era preciso obter permissão ao governador civil, que era, aliás, o "jefe local del Movimiento", o partido único do franquismo, os textos das canções tinham que passar pela censura e a polícia assistia aos concertos e fazia relatórios, que passavam a engrossar as fichas dos organizadores, dos cantores e até, em certos casos, de alguns assistentes. As condições extra-políticas tampouco eram excelentes. Os lugares costumavam estar em más, quando não péssimas, condições, desde frio à ausência de camarins, acústica impossível, e os cantores tinham de trazer ou montar, como no caso de Raimon, um equipamento de som que dava para o que dava. Raimon usava um Shure Vocal Master, que, sendo do melhor que o mercado de equipamentos prêt-à-porter oferecia, não deixava de ser um aparelho de estar por casa. Annalisa era a engenheira de som ad hoc, uma maneira de fazer guerrilha artística contra a ditadura.

Da posição de quem usa uma linguagem artística e quer comunicar artisticamente, Raimon sempre se comprometeu politicamente. Raimon é das esquerdas e de esquerda é o seu meio. São anos convulsos. A ditadura exerce com toda a força o seu poder absoluto, mas encontra cada vez mais abertura no movimento dos trabalhadores, nos estudantes, nos bairros, da Igreja, nos intelectuais e nos trânsfugas que querem reinar depois de morrer.


Muitos representantes destes sectores vão aos recitais de Raimon; Raimon canta e diz em poucas palavras e em público o que muitos deles pensam. Por isso, alguns dos seus recitais terão na altura uma funcionalidade que substitui a dos comícios proibidos. Determinadas frases, nas quais Raimon exprime a sua capacidade de síntese, marcam posições e funcionam como palavras de ordem: "Mãos dos que matam, duras; / mãos limpas dos que mandam matar"; "Não creiamos nas pistolas"; "a minha língua maltratada"; "quem perde as origens, perde identidade"... E a "Digamos não", praticamente à cabeça, como "Quando pensas que acabou".

Mas, para lá disso, Raimon assume compromissos directos. Canta para recolher fundos para partidos, presos políticos, sindicatos... Um daqueles primeiros recitais, que supunham um acto reivindicativo e solidário, seria o que fez no Instituto Químico de Sarrià, em 1966.