A 28 de Janeiro de 1967, ou seja, há mais de 41 anos atrás, Raimon actuava no Palau de la Música Catalana. A internacionalização estava feita. No ano passado fizera o seu primeiro Olympia, inaugurando a visita de cantores da Nova Cançó àquela mítica sala parisiense. Como saberá quem tem acompanhado "A Cantiga...", destes concertos resultaram dois elepês.
Hoje, já dia 28 de Outubro de 2008, ouvi pela primeira vez "Raimon al Palau" (e, no momento em que escrevo, ainda apenas uma). Instalado na solidão de um sofá nocturno, as espiras do vinil (porque não existe em digital...) desvelaram o pó dos anos de esquecimento e ausência, anos de isolamento e de silêncio. Contudo, não foram senão 26, os anos, pois é quanto chega a idade do ouvinte. Porque, defende o mesmo, egocentricamente, de certa maneira as coisas só passam a existir quando delas se toma conhecimento.
E como foi possível um disco assim, de um cantor voz de um povo, voz do Povo, a quem foram erguidas muralhas de dificuldades para se exprimir, para estar vivo entre os seus semelhantes... como foi possível? Já não foram a tempo as autoridades...
Em Paris Raimon apresentava as suas canções com breves palavras na língua gaulesa. E cantava, claro. Em Barcelona Raimon apenas cantou. Em Barcelona, o seu silêncio entre as canções que cantou foi mais forte, mais expressivo, pesado e comunicativo que quaisquer palavras introdutórias que pudesse dizer. Porque o Poder, sente-se no ar, não deixava poder.
Que tem de tão especial um cantor que - ele o admitia! - mal sabia tocar guitarra? Quanta carga histórica pode transmitir, por entre este frio que nos emperra, a sua voz e o seu grito?
Fora até numa língua desconhecida, incompreensível, e, sim, senti-lo-íamos. Se não conseguimos extrair significado das palavras, podemos sempre sentir a força com que são proferidas. A mágoa e o sentimento de injustiça cristalizados no grito de Raimon não pode deixar-nos indiferentes. Há nele a força da luta e da esperança, a esperança "que faz ninho" nas pessoas que o escutam e com ele partilham o tempo e o lugar em que lhes calhou viver.
E é isso o que chamaria desde logo a atenção do iniciado ao ouvir uma canção de amor como "Si un dia vols". Como pode uma canção de amor despertar tão calorosas e audíveis reacções por parte das pessoas? Isso acontece quando as palavras dizem muito mais que aquilo que podem dizer. Em Raimon, amor e luta são indivisíveis.
É preciso vivê-lo. E essa será a melhor - e única, talvez - forma de estar em perfeita comunhão com o comunicador. Quando as palavras nem precisam de ser pronunciadas para se fazerem ouvir, para nos fazerem sentir o seu peso.
Comparando-o agora, em "Recital de Madrid", testemunho sonoro também de capital importância, o clima é denso, sim. Raimon fala. Em Castelhano, é certo. Mas fala. Nota-se que muitas barreiras tinham sido já ultrapassadas, que a experiência e as vezes sempre contavam para fazer caminho.
Em "Recital de Madrid", apesar do silêncio, do respeito e da atenção que Raimon conseguia arrancar ao público quando falava
sente-se uma frescura de liberdade para ler os textos - por vezes integrais - das canções, nomear certas pessoas, dizer certas coisas, dar certa entoação ou amplificar as palavras mais importantes.
Em "Raimon al Palau", o clima é tenso. Emblemática e em toda a máxima força, enriquece-se plenamente de sentido a canção "Diguem no", que repete e com a qual encerra o concerto. Sob o silêncio e o ruído forte dos aplausos e das vozes, as outras, as mesmas, que estão perante ele.
E aqui mesmo, perante nós, no disco que agora falou.
Sem dizer mais nada.
(Agora que estamos juntos
Direi o que tu e eu sabemos
E que amiúde esquecemos.
Temos visto o medo
ser lei para todos.
Temos visto o sangue
- que só faz mais sangue -
ser lei do mundo.
Não,
eu digo não
Digamos não.
Nós não somos desse mundo.
Temos visto
a fome
ser pão para muitos.
Temos visto
fechados na prisão
homens cheios de razão.
Não,
eu digo não
Digamos não.
Nós não somos desse mundo.)
Em Paris Raimon apresentava as suas canções com breves palavras na língua gaulesa. E cantava, claro. Em Barcelona Raimon apenas cantou. Em Barcelona, o seu silêncio entre as canções que cantou foi mais forte, mais expressivo, pesado e comunicativo que quaisquer palavras introdutórias que pudesse dizer. Porque o Poder, sente-se no ar, não deixava poder.
Que tem de tão especial um cantor que - ele o admitia! - mal sabia tocar guitarra? Quanta carga histórica pode transmitir, por entre este frio que nos emperra, a sua voz e o seu grito?
Fora até numa língua desconhecida, incompreensível, e, sim, senti-lo-íamos. Se não conseguimos extrair significado das palavras, podemos sempre sentir a força com que são proferidas. A mágoa e o sentimento de injustiça cristalizados no grito de Raimon não pode deixar-nos indiferentes. Há nele a força da luta e da esperança, a esperança "que faz ninho" nas pessoas que o escutam e com ele partilham o tempo e o lugar em que lhes calhou viver.
E é isso o que chamaria desde logo a atenção do iniciado ao ouvir uma canção de amor como "Si un dia vols". Como pode uma canção de amor despertar tão calorosas e audíveis reacções por parte das pessoas? Isso acontece quando as palavras dizem muito mais que aquilo que podem dizer. Em Raimon, amor e luta são indivisíveis.
É preciso vivê-lo. E essa será a melhor - e única, talvez - forma de estar em perfeita comunhão com o comunicador. Quando as palavras nem precisam de ser pronunciadas para se fazerem ouvir, para nos fazerem sentir o seu peso.
Comparando-o agora, em "Recital de Madrid", testemunho sonoro também de capital importância, o clima é denso, sim. Raimon fala. Em Castelhano, é certo. Mas fala. Nota-se que muitas barreiras tinham sido já ultrapassadas, que a experiência e as vezes sempre contavam para fazer caminho.
Em "Recital de Madrid", apesar do silêncio, do respeito e da atenção que Raimon conseguia arrancar ao público quando falava
- e o exemplo mais impressionante disto que expressamos está na introdução a "Qui ja ho sap tot" (a 21ª canção, ali ao lado), que nos faz sentir, a determinada altura, que Raimon está ali mesmo, a meio metro de nós, a falar com o tom de voz normal...
... e o público, ao rebentar em gritos e aplausos, vem para nos lembrar que Raimon está perante cerca de 20 mil pessoas! Seria possível isto, hoje? Seria possível tamanha fusão de emissor e receptor, hoje? -
... e o público, ao rebentar em gritos e aplausos, vem para nos lembrar que Raimon está perante cerca de 20 mil pessoas! Seria possível isto, hoje? Seria possível tamanha fusão de emissor e receptor, hoje? -
sente-se uma frescura de liberdade para ler os textos - por vezes integrais - das canções, nomear certas pessoas, dizer certas coisas, dar certa entoação ou amplificar as palavras mais importantes.
Em "Raimon al Palau", o clima é tenso. Emblemática e em toda a máxima força, enriquece-se plenamente de sentido a canção "Diguem no", que repete e com a qual encerra o concerto. Sob o silêncio e o ruído forte dos aplausos e das vozes, as outras, as mesmas, que estão perante ele.
E aqui mesmo, perante nós, no disco que agora falou.
Sem dizer mais nada.
(Agora que estamos juntos
Direi o que tu e eu sabemos
E que amiúde esquecemos.
Temos visto o medo
ser lei para todos.
Temos visto o sangue
- que só faz mais sangue -
ser lei do mundo.
Não,
eu digo não
Digamos não.
Nós não somos desse mundo.
Temos visto
a fome
ser pão para muitos.
Temos visto
fechados na prisão
homens cheios de razão.
Não,
eu digo não
Digamos não.
Nós não somos desse mundo.)