domingo, 13 de abril de 2008

V - Caminant, amics (VII)

Um outro artista amigo, além de Alfaro, para quem Raimon compôs uma canção, é o pintor Joan-Pere Viladecans. Joan-Pere Viladecans e Raimon conheceram-se no ano de 1969, com Salvador Espriu a ligá-los. Viladecans fez a sua primeira exposição, na antiga Sala Gaspar, como desenhos sobre textos das "Cançons de la roda del temps". Depois, Viladecans acabaria por fazer capas de livros de Espriu e unia-os uma muito forte amizade. Espriu considerava Raimon e Viladecans de alguma forma como os seus "filhos espirituais". Raimon cantou assim Viladecans:


[A 16ª canção de Raimon na caixa de música, "Com una mà",
é a versão que podemos encontrar no terceiro disco da Integral de 2000]


Com una mà,
la vida estesa
al teu davant.
A tu es lliurava
sense malícia. /
Como uma mão,
a vida estendida
à tua frente.
A ti se rendia
sem maldade.

Tot aquell temps
t'havia fet
com una mà
la vida estesa. /
Todo aquele tempo
te tinha feito
como uma mão
a vida estendida.

Et capbussaves
de ple, turgent
enmig dels altres,
i xop de món
et veies viu. /
Mergulhavas
fundo, inchado
no meio dos outros
e empapado do mundo
te vias vivo.


Vint anys de temps,
que són no res
-diuen els savis-,
i aquella mà
anà tancant-se
molt lentament
però obstinada. /
Vinte anos de tempo,
que não são nada
-dizem os sábios-,
e aquela mão
irá fechando-se
muito lentamente
mas obstinada.

Retruny ben fort
allò que abans
en deien ànima,
creure no vol
el que el teu cos
avui constata,
exasperada
i aïrada
no es resigna;
espera encara
l'esclat potent
d'aquesta vida.
Segura està. /
Retumba forte
o que antes
chamavam alma,
crer não quer
o que o teu corpo
hoje constata,
exasperada
e desgarrada
não se resigna;
aguarda ainda
a luz potente
desta vida.
Firme está.



"No és Possible el Que Visc" (Lp 1974, BASF), de Pi de la Serra
Capa da autoria de Viladecans.

V - Caminant, amics (VI)

Com os anos, o panorama muda, as caminhadas sedentarizam-se e as noites ruem, mas a ideia informadora da amizade sobrevive e fortalece-se. Na paisagem quotidiana de Raimon em Barcelona há o político Rafael Ribó, o jornalista Enric Sopena e o pintor Joan-Pere Viladecans, entre outros. Este seria um primeiro círculo, já que naturalmente Raimon conhece muita gente e há muitos pontos álgidos de ligação momentânea, mas que pelas circunstâncias não chegam a sedimentar-se. As suas canções ilustram-nos estes episódios. Em "No el coneixia de res" evoca uma estadia intensa com um líder sindical. O anonimato de "A un amic d'Euskadi", datada de 1968, ano em que a ETA perde o seu primeiro militante e executa o polícia torturador mais odiado, indica que poderosas razões de clandestinidade fazem enfraquecer aquela relação. Josep Pla, à distância ideológica mas a partir de um grande respeito mútuo, também acabaria por ser amigo de Raimon se o espaço e o tempo o houvessem permitido. Apesar disso, Raimon guarda boas recordações de Pla e lê-o e relê-o.

Ribó, professor da Faculdade de Ciências Económicas, autor da primeira tese doutoral defendida em Catalão desde 1939, seria secretário-geral do PSUC, deputado e, posteriormente, com a chegada da Esquerda à Generalitat, no ano de 2004, Síndic de Greuges [pessoa nomeada pelo Parlamento da Catalunha para a defesa das liberdades dos cidadãos]. A presença de Ribó na direcção comunista levaria Annalisa a militar durante uns tempos na comissão de cultura, onde se via que Manuel Vázquez Montalbán mandava. Mas foi mais rápida a sua saída que a entrada. Os partidos políticos são intrinsecamente necessários à democracia, mas os seus esquemas de funcionamento são tão obsoletos que, às vezes, não passam de reuniões de vão de escada [espero ter traduzido bem esta passagem...] ; talvez a chama dos movimentos sociais, em torno da altermundialização, os enferruje.

Fosse como fosse, Raimon, que se molhou de política mas soube manter-se seco de políticos, quis evitar que no seu recital comemorativo dos trinta anos de "Al vent" houvesse autoridades nas primeiras filas, que reservou para os amigos. Quando Ribó chegou aos lugares reservados, disseram-lhe não o estavam para políticos, mas para os amigos. Ribó, tranquilo, disse: "Venho como amigo". Passou ele... E depois todos os outros, não haveria discriminações.
Sopena é um dos grandes jornalistas catalães; realizou uma tarefa activa na ajuda à oposição antifranquista e tem a honra, para a história do jornalismo catalão, de ter estado detido para poder dar a exclusiva mais importante da luta antifranquista: a constituição da Assembleia da Catalunha, a 7 de Novembro de 1971. Sopena, depois de ter exercido cargos directivos em diversos meios, na imprensa, na rádio e televisão, pratica com muito bom critério o jornalismo de opinião.