domingo, 13 de dezembro de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XXIII)

Raimon reflectia assim sobre as suas várias passagens por Madrid, pelo menos sobre as de 1968 e de 1976, consideradas históricas por alguns comentadores:

A Madrid nunca se foi com tranquilidade, no sentido de poder fazer bem os recitais, sempre se foi lá aproveitando situações estranhas que te abriam alguma possibilidade para cantar. Mas acabavam por te proibir ou acabava mal, exceptuando Dezembro de 1976, em que consegui fazer uma semana no Teatro Fígaro. A partir daí as coisas entraram na normalidade, mas antes... Cantei em concertos colectivos, como no Festival de los Pueblos Ibéricos e numa festa do PCE. O da Faculdade de Economia, em 68, despoletou uma grande manifestação. No de Fevereiro de 76 mostrava-se pela primeira vez publicamente a Plantajunta.
Foram recitais muito cívicos, no sentido de impacto na sociedade, mais além do estritamente artístico, para dizê-lo de alguma maneira, e talvez isso tenha feito com que a canção passasse a um segundo plano e um facto circunstancial. Lembro-me de uma forma especial o recital do "18 de Maig a la Villa". Havia toda a ajuda de Paris e aqui estávamos expectantes, a ver o que se ia passar. Eram momentos excepcionais, de tensão, pelo menos para alguns, uma minoria se nos comparássemos à quantidade de gente que saia à rua do Quartier Latin.
Sempre gostei muito de Madrid, sempre lá fui actuar quando pude e houve uma grande comunicação, apesar de cantar numa língua diferente. Mas o feito artístico e cívico rompe qualquer obstáculo.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XXII)

Raimon vai a Madrid. Franco já morreu e as organizações unitárias da oposição mobilizam-se. Em Espanha são a Junta Democrática, que gira em torno do PCE e das CCOO, e a Plataforma de Convergência Democrática, movida pelo PSOE e pela UGT. Acabarão por se unir, no fim, sob o nome popular Platajunta. Raimon assegura também aos seus representantes as primeiras filas: Felipe González, Marcelino Camacho, Fernando Álvarez de Miranda, Joaquín Garrigues Walker, Simón Sánchez Montero, Josep Melià, Francisco Fernández Ordóñez, Nicolás Redondo, Joaquín Ruiz Giménez, Nicolás Sartorius, entre eles, e ao lado de intelectuais e artistas como agora Gabriel Celaya, José Hierro, José Luis García Berlanga, Jaume Camino, Juan Antonio Bardem, Adolfo Marsillach, Carmen Martín Gaite e Antonio Saura. Escolhe as instalações desportivas do Real Madrid - impossível despistar melhor que no território de Don Santiago Bernabéu - e os dias 5, 6 8 e 9 de Fevereiro de 1976. Mas apenas fará uma actuação. A Direcção Geral de Segurança, às ordens de Manuel Fraga Iribarne, encarregado da pasta do Ministério do Interior, emite esta nota:

Às 22:30 horas do dia 5 do corrente, e na Cidade Desportiva do Real Madrid, deu início o "Festival Raimon" com uma assistência de umas seis mil pessoas, que ocupavam os lugares das bancadas e da pista, além dos corredores e acessos, dificultando a deslocação do público até aos seus lugares.
Desde o começo, o acto converteu-se numa autêntica manifestação política, com exibição de punhos fechados e gritos tais como "Dolores Ibárruri a Madrid", "Carrillo", "Amnistia", "Liberdade" e outros. Ao mesmo tempo, soltaram-se bandeiras vermelhas, tanto entre o público como no próprio palco, sendo a sua aparição acolhida com gritos e palavras de adesão.
Posteriormente, no cenário expôs-se uma bandeira com as cores anarquistas, e proferiram-se frases injuriosas contra Sua Majestade o Rei do Juan Carlos I, e ataques verbais contra a polícia.
Às 00:15 terminou o encontro, abandonando os assistentes o local, não se produzindo incidentes nem manifestações.
Face a estas lamentáveis circunstâncias, foi suspendido o recital anunciado para o dia de hoje e denegada a prorrogação para os próximos dias 8 e 9.


Raimon, no encontro, fez o seguinte programa:
- La nit
- Só qui só
- Qui ja ho sap tot
- El País Basc
- Al vent
- Sobre la pau
- Contra la por
- T'adones, amic
- T'he conegut sempre igual
- Inici de càntic
- Jo vinc d'un silenci
- Quatre rius de sang
- Es veu
- 18 de Maig a la Villa
- Indesinenter
- La muntanya es fa vella
- Quan jo vaig nàixer
- Cançó del remordiment
- D'un temps, d'un país
- Sobre la por
e
- Diguem no.

Três bises e um novo "Diguem no" em versão hino, cantada por mais de cinco mil espectadores.
Raimon reúne a multitudinária representação jornalística, local de enviados especiais de todo o lado, como assinala um deles, um excepcional cronista, nem mais nem menos que Joan Fuster, e recusa duramente a continuidade franquista que faz ver que avança para a Democracia - Adolfo Suárez não tinha sido nomeado presidente- mantendo ainda 2 mil presos políticos: "Não me deixam cantar, e uma democracia afónica é algo muito triste."

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XXI)

Depois do êxito artístico, social e político do Palau dels Esports, Raimon pensa fazer algo parecido em Madrid, também ao laod de Oriol Regàs e empregando muito jornalista. Manuel Vázquez Montalbán, sob o pseudónimo de "Sixto Cámara", um alter-ego que supostamente vive em Madrid, escreve uma bela coluna no semanário Triunfo (31 de Janeiro de 1976), periódico essencial para entender o jornalismo democrático em tempo de ditadura. Nela se encontra uma citação livre de Raimon quando diz "a Lei Antiterrorista fechava toda a espécie de bocas e mãos". Começa com uma premonitória frase, que infelizmente se cumpriria:

Se a autoridade não o impedir e o tempo histórico o permitir, Raimon vai cantar a Madrid, saltando por cima de uma ausência de vários anos. Ainda recentes os ecos da sua actuação no Palácio dos Desportos de Barcelona naqueles dias escuros em que a agonia de Franco tinha disparado os sinais de alarme, a Lei Antiterrorista fechava toda a espécie de bocas e mãos, os democratas acreditavam estar a viver uma marcha atrás no escuro túnel do tempo, deste tempo, destes trinta e seis anos de tempo. Lembro uma conversa telefónica com Raimon por aqueles dias. Convidava-me a voar até Barcelona para assistir ao acto do Palau dels Esports, "palau" que com as façanhas de Raimon e Llach adquiriu tanto significado na história da Catalunha e de Espanha como o Palau de la Música.
- Anima-te, Sixto. O acto força a gente a recuperar o moral. Há uma perda geral de iniciativas.

Assisti ao acto e dou fé - ão podia dá-la então porque o
Triunfo estava fechado - de que quase nove mil espectadores recuperaram a fala e a consciência de uma certa "comunhão dos santos". Foi um acto emocionado, algo crispado, entre a catacumba e a rua, estimulante. Se se bebe uma, duas, três, quatro, cinco garrafas de vinho com Raimon, parece que estamos a bebê-las com um intelectual pré-revolucionário, ultimamente fascinado pelo papel do Estado não só na sociedade capitalista, mas sobretudo na socialista. É um Raimon muito lido, ainda que os frágeis óculos não escondam totalmente uma vitalidade quase agrária, valencianíssima. Quando Raimon surge num palco produz-se um milagre de transubstanciação e o furacão de Xàtiva sopra o vento histórico poderoso sem outro acompanhamento que o da guitarra. Entre Raimon e o público estabelece-se uma ligação política total e conformam juntos um ser vibrante, épico, duro como quartzo. É uma relação curiosa. Raimon exige ao público compromisso político. O público exige a Raimon que seja exigente com o público. Em mangas de camisa, com as mãos ocupadas pela guitarra, sob um foco de luz que delimita o escasso território de um homem que canta só, com as palavras mais económicas, justas, necessárias, com uma música suficiente surgida da memória melódica popular, Raimon agiganta-se e agiganta o público. De alguma forma é, de facto, um milagre. E é o milagre da recuperação colectiva da razão histórica, no duplo sentido da razão racional e da razão lógica. A reivindicação da Razão e das razões de uma colectividade e dentro destas, das peculiares da colectividade catalã e das forças democráticas, populares, progressistas.

A última vez que vi Raimon e Annalisa, sua companheira, falámos de Gramsci. E a este grande teórico devíamos regressar para explicar definitivamente o fenómeno Raimon. Toda a sua força cénica não nasce apenas da raiva e da razão. Tem o seu esqueleto nessoutro Raimon lido, cujos frágeis óculos não escondem por completo uma vitalidade agrária, valencianíssima.

domingo, 6 de dezembro de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XX)

Em 1974, em "Qui ja ho sap tot", incide na mesma temática, nas razões que o levam a cantar. Arranca com a socrática modéstia de quem se diz ignorante ou adscrito à cartesiana dúvida universal - "L'única seguretat" insistirá - e desenvolve mais as forças motrizes da sua actividade, que enumera com precisão:

["Qui ja ho sap tot" já por cá apareceu (foi a 21ª canção de Raimon) e volta. A mesmíssima versão, gravada no Recital de Madrid. Não é necessário traduzi-la. Ele mesmo o faz para nós, antes de a cantar. Eis portanto a 30ª canção.]

Qui ja ho sap tot que no vinga a escoltar-me,
que no vinga a escoltar-me.
Sempre he cantat per qui ha volgut aprendre,
perquè jo encara aprenc de qui m'escolta,
de qui em fa callar o no m'escolta,
per això dic:
qui ja ho sap tot
que no vinga a escoltar-me,
que no vinga a escoltar-me.
El desig i l'esperança,
la derrota no acceptada,
el dubte de tot saber,
l'alegria ben guanyada,
la tristesa d'un temps malalt
d'hipocresia forçada
que volem ben diferent,
és el que jo cante.
Qui ja ho sap tot
que no vinga a escoltar-me,
que no vinga a escoltar-me.
Un crit cert i uns quants matisos,
poemes de vells poetes,
un amor encara viu,
molta ràbia acumulada
en la lluita necessària
contra el matalàs immens
que ens volen posar damunt,
és el que jo cante.
Qui ja ho sap tot
que no vinga a escoltar-me,
que no vinga a escoltar-me.
El desastre quotidià
que s'allargassa anys i anys,
la lentitud de la represa
i els que cauen pel camí,
els tirs mal dirigits
i, per què no dir-ho també?
una fe, una gran fe
en determinada gent,
és el que jo cante.
Qui ja ho sap tot
que no vinga a escoltar-me,
que no vinga a escoltar-me.

Para todos eles e por todos estes motivos, Raimon torna-se - e é este o último elemento que é preciso destacar do artigo de Roig - um líder. Viviam-se tempos de substituição. A proibição de fazer política não a eliminava, obrigava-a a imaginar vias alternativas. Sim, havia políticos democratas, mas castravam-se-lhe a necessária epifania do encontro e o banho de massas. Raimon teve de fazer este segundo papel, mas com a honradez de sempre deixar claro que não era um político nem aspirava a sê-lo, e dando protagonismo aos verdadeiros políticos quando podia, como no recital no Palau dels Esports, no qual, como se disse, os sentou nas primeiras filas.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

El Recital de Madrid

Originalmente propriedade da Movieplay espanhola, depois Fonomusic, hoje incluída no grande grupo da Warner Music (Spain, no caso), o disco do mítico concerto de Madrid, em 1976, conheceu nova reedição. Não necessariamente no ano que está prestes a terminar, mas no ano passado, 2008.

À semelhança dos discos que Lluís Llach gravou para a editora, também reeditados nos mesmos moldes, esta reedição é em digipack e traz uma entrevista (em quatro páginas do livreto, em letra miudinha) feita em 2000 por Victoria Prego (a data não é indicada, mas infere-se):

"Raimon é o único artista que me recebe fora de sua casa, num hotel próximo das Ramblas. Tem o cabelo branco, mas tão espetado que parece um miúdo. Isso, e os olhos brilhantes, agudos e por vezes luzidios que sente que me chego demasiado ao seu interior, compõem a imagem de um moço de de 60 anos, com uma leve pose de amargura que ele veste de ironia e de desapego."

Traz também um resumido texto, da autoria de Maurílio de Miguel, sobre o seu percurso artístico, incidindo nas suas mais importantes actuações, seguido de um outro dedicado apenas ao presente concerto, que, como já tivemos oportunidade de dizer, foi gravado em 5 de Fevereiro de 1976 e ao qual se iriam seguir outros. Que foram cancelados devido ao "clima perigoso" ou "subversivo" que aí se criou.


Um pormenor da capa exterior da reedição, que podia talvez (ou muito bem) ter sido evitado é o descentramento das letras, tal como se pode ver ao lado.
De qualquer das formas, questão de preciosismos (a vivência do disco é mais importante que tê-lo, mas estamos dependentes do materialismo para renovar a memória registada), a capa do livreto interior está "correcta".

El Recital de Madrid.
Um disco fundamental.
Aliás, para nós, o melhor disco ao vivo do género.

A conhecer (outros discos "quentes" que se lhe podem juntar):

"Barcelona, Gener del 76" (1976, Movieplay; reed. Fonomusic, 2002) e "Camp Nou, 6 Juliol 1985" (1989, CBS; reed. 2003, Claus Records) - Lluís Llach.
"Palau d'Esports, Barcelona 27-2-1976" (1976, BASF; inexistente em cd) - Pi de la Serra
"FMI" - José Mário Branco (1982, Edisom, incluído na reed. de Ser Solidário (1996, EMI));


(Se alguém tiver mais propostas a juntar a esta curta lista, bem gostaríamos de conhecê-las.
Deixe aqui, portanto e por favor, o seu comentário.)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Quan ell va nàixer

Imagem extraída de "Tretze que Canten", de Joan Ramon Mainat,
Ed. Mediterrània; Barcelona, 1982



Há precisamente 69 anos, nascia a voz que se tornaria " el crit".
Raimon, o Homem e o Artista, "indestriable" da História da canção popular da liberdade.

Pela lucidez, pelo amor aos valores da memória, da liberdade, da paz e dos sentires colectivos por um mundo justo, sem "classes subalternas", Raimon é portador da esperança e da força.

Assim, e também hoje, lhe prestamos a nossa homenagem:


Som (Somos)


Indignos da tua luta.
Mal-agradecidos
Desprezadores
Vazios
Sem memória
Ignorantes e mortos

E não merecemos os frutos do teu grito.

Um arrepio na espinha quando tu cantavas,
Quando tu cantavas

Duro e puro
Somente a vibração de cordas de uma guitarra sola
Sob o teu canto
O teu grito.

Ouvindo-te
E imaginando o que seria nesse tempo
Nós só podemos ser indignos da tua luta.

Não,
Nós só podemos ser indignos da tua luta.


(20.01.2005)

domingo, 1 de novembro de 2009

A atitude também é uma arma


Sr. Rádio Combate,
António Sérgio

1950-2009

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Não creio no teu silêncio, Mercedes...



Que novos cantores estão a substituir os estafetas do passado?
Estão a substituir?
Estão a ser estafetas?

Quanto passado se perde a partir de hoje?
Quantos discos partidos não serão mais gravados, quantas canções deixarão de ser ouvidas, criadas, recriadas, transmitidas...?

Ficaremos agarrados ao passado sem tempo para criarmos presente?

Portanto, que futuro?

domingo, 13 de setembro de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XIX)

A eles ["Tots els bons"] é dirigida um tipo de canção - "o meu canto quer ser plural com o perfume do mundo dos outros" - que nada tem a ver com a música moderna que se persiste como amestradora de mentalidades sociais, na linguagem marxista, alienação. Raimon explica que tipo de canção faz e a quem a dirige. Em "No em mou el crit", de 1966, traça uma metodologia ou poética. O motor da sua obra não são os tópicos da canção comercial, é a gente que luta, a começar pelos trabalhadores, esta marca de classe que atravessa de cima a baixo a obra raimoniana, e não esquece os que vão com medo aos seus recitais:

Raimon a l'Olympia - 1966

[Esta canção, a 29ª de Raimon na caixa de música, aparece registada pela primeira vez no disco ao vivo no Olympia. É essa mesma versão que podemos ouvir.
]


No em mou al crit
ni ocells ni flors.
Tu, tu que treballes
de sol a sol.
Tu, tu que notes i vius
tota la por.
Tu em mous al crit,
ni ocells, ni flors. /
Não me movem ao grito
nem pássaros nem flores.
Tu, tu que trabalhas
de sol a sol.
Tu, tu que sentes e vives
todo o medo.
Tu moves-me ao grito,
não os pássaros ou as flores.


Tu, que estimant entre els homes
et deixen sol.
Tu, a qui el teu món nega
tot consol. /
Tu, que amando entre os homens
te deixam só.
Tu, a quem o teu mundo nega
todo o consolo.


No em mou al crit
ni ocells ni flors.
Un món que ja és ben viu
en altres llocs.
Un món que ací ofeguen,
però no mor.
No em mou al crit
ni ocells, ni flors. /
Não me movem ao grito
nem pássaros nem flores.
Um mundo que já é bem vivo
noutros lugares.
Um mundo que aqui asfixiam,
mas não morre.


Tu, tu que m'escoltes
amb certa por.
Tu em mous al crit,
no ocells, no flors. /
Tu, que me ouves
com certo medo.
Tu moves-me ao grito,
não os pássaros ou as flores.


Tu em mous al crit.
Tu em mous al crit.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

No oblidarem mai!

No oblidarem mai aquell 11 de Septembre.



Não tenhamos ilusões: os instrumentos do poder são feitos à imagem de quem os detém.
Os média são um instrumento de poder.
O poder político é um instrumento de poder.
A capacidade de executar as leis (aquilo a que costumamos chamar Justiça, e que é justa ou injusta consoante são justos ou injustos os que a executam) é um instrumento de poder.

Não tenhamos ilusões: enquanto carrascos assim não forem julgados e condenados (viram como Pinochet morreu sem ir preso?), saibamos lê-lo: é um tipo de poder que continua vigente.

Por isso, não podemos esquecer o 11 de Setembro de 1973.
Pela mesma razão, não podemos esquecer o 11 de Setembro de 2001.

(acho deveras estranho o vídeo que se segue ainda não ter sido eliminado (hoje em vez de bombed or killed o sinónimo é mais soft: chama-se deleted) pelo Poder que nos governa. Vamos ver quanto tempo resiste...) E se o leitor que isto lê não aguenta suportar o peso da verdade, continue a ver a telenovela do dia-a-dia. Faça bom proveito e recuse comida do seguinte teor.)




quarta-feira, 9 de setembro de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XVIII)

A delicada Roig, romancista de grande sensibilidade, esvaziava todo o carregador da sua máquina de escrever. A imagem da vida da rua contra a morte da residência do ditador no palácio de El Pardo é chocante. Mas a lucidez da escritora deixa passar alguns dos itens que formalizam Raimon comprometido civicamente.

Não puderam liquidá-lo.
A ditadura agoniza e Raimon está em plenitude de faculdades. Começam a arranjar formas mais subtis - sem falar da actuação policial -: acusam-no de tudo o que podem, com o tópico sempre enfatizado de ter o coração à esquerda e a carteira à direita, movem campanhas nos jornais e um chega mesmo a inventar um "De Raymond", que se espalha ao comprido como cantor, não sem posar antes com roupa interior nas revistas do destape que proliferam naqueles anos de onanismo. Jesús Amilibia estreava a sua coluna na Hola, enquanto sinal de identidade da imprensa da badalhoquice e da boa sociedade, com uma entrevista em que De Raymond diz: "Não são só as mulheres que se destapam nos filmes. Os homens também têm direito. Neste filme faço duas cenas com dois completamente nus... é muito forte." O que era forte era que a ilustração de um tema tão substancial fosse uma foto de Raimon, neste teor: "O cantor valenciano De Raymond, durante a sua recente e brilhante actuação no Palácio Municipal de Desportos de Barcelona".

Raimon é porta-voz de todo um povo. Com os seus versos, produto de muita reflexão, de pensar em voz alta, retira da clandestinidade as ideias de emancipação social e nacional, de luta contra todo o tipo de injustiça e em especial contra a repressão, que trava o que faz e atemoriza o que quer fazer. Ir aos recitais de Raimon é inquietante, pode acontecer tudo, pode haver intervenção da polícia; dá medo, até, passar a fronteira com os seus discos registados em França. Maurici Serrahima tem-no escrito nas suas memórias, já antes citadas; refere-se a Agosto de 1966:

Os trâmites da aduana francesa eram elementares. (...) Tampouco a alfândega espanhola nos chateou muito - tínhamos a preocupação dos discos de Raimon - e entrámos em Camprodon com tempo para dar e vender.

Nos recitais, as frases-síntese são amplificadas pela rubrica coral dos aplausos e, ao acabar, é Raimon que aplaude o público na sua prévia dimensão de povo. É o que Manuel Sacristán dá a entender, no seu prólogo ao livro de Raimon Poemas i Cançons: "Com todos os bons que o acompanham." Este verso de Jordi de Sant Jordi, da canção "Desert d'amics", descreve um colectivo, o da gente comprometida que estava ao lado do autor na luta que o levou à prisão. Um preso do século XV que lembra os companheiros. "Mas não me retracto, porque fiz o meu dever / com todos os bons que me acompanham." Todos os bons, metáfora das vanguardas lutadoras.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XVII)

Naquela noite, Raimon estreava "Jo vinc d'un silenci", tão mencionado no relatório policial. Podemos escutá-la no CD n. 10, intitulado "Directes i alguns indirectes", da Nova Intergral. Edição 2000. Para contrapor a versão policial daquele concerto histórico, reproduz-se o artigo que Montserrat Roig escreveu no semanário Treball, órgão clandestino do PSUC, o que obrigava a assinar com pseudónimo. Montserrat Roig, como George Sand, assinava com nome de homem: "Capitão Nemo", a personagem de Jules Verne em 20 Mil Léguas Submarinas. Montserrat Roig, amante de Brahms e admiradora de Raimon, prescindia da arte e lançava uma proclamação (10 de Novembro de 1975):

Enquanto o ditador que provocou uma guerra agoniza, mais de oito mil pessoas - e muitas ficaram à porta - concentraram-se para manifestar o desejo de paz e de mudança democrática. Isso foi o que representou o recital que Raimon deu no Palau dels Esports de Montjuïc, no passado dia 30 de Outubro. A pouco e pouco, com calma, com serenidade, que nada tem a ver com a que proclamam os franquistas, gente de todas as idades foi chegando ao Palau dels Esports. Que os unia? Unia-os a necessidade de se afirmarem colectivamente como povo, de expressar o desejo de liberdade. E não só afirmaram tudo isso, como também qual é hoje o estado de espírito de dezenas, de centenas de milhares de pessoas: a disposição para o combate político, a disposição a não deixar que os nossos destinos - os destinos de todo o povo - continuem manipulados à distância por uma pequena oligarquia corrompida, agora que o ditador se acaba.

A imprensa legal já menosprezou o magnífico espectáculo no Palau dels Esports. Os aplausos repetiam-se, os gritos de "Llibertat", "Amnistia!", "Visca l'Assemblea de Catalunya!" serviam de contraponto das canções de Raimon. De quando em vez surgiam milhares de pequenas luzes de diversos lugares do Palácio, luzes que se multiplicavam até iluminar todo o recinto. Uma só luz não se sente, mas tantas e tantas luzes demonstram-nos, uma vez mais, que somos, como diz um dos versos de Espriu cantados por Raimon, um povo que não se resigna a morrer.

Não foi um acto de consagração de um artista. Enquanto o público aplaudia Raimon, este, por diversas vezes, aplaudia o público - como dantes faziam os oradores nos encontros políticos - simbolizando o carácter comunitário do que se passava naquela noite no Palau dels Esports; simbolizando tudo o que era um episódio da grande marcha colectiva para a liberdade, na qual o artista, o líder, a personagem, não é senão o porta-voz da massa, de todo um povo.

Era um povo cheio de vida o que gritava, perante a morte que arruma El Pardo e seus fantoches apegados a um poder que se rompe. Um povo que tinha sabido dizer, uma vez mais, que só a união nos pode levar à vitória definitiva.

sábado, 5 de setembro de 2009

Jo vinc d'un silenci



Penso que esta interpretação é a do recital de Montjuïc.
Extraída de um filme sobre a Nova Cançó e que, ou muito me engano, não está acessível ao grande público. Esta é das poucas cenas disponíveis.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XVI)

Este é o atestado que fez engrossar a ficha de Ramon Pelegero Sanchis, alias "Raimon", nos arquivos metálicos das dependências da Prefectura Superior de Policia, na Via Laietana:

Às 22:45 horas de ontem teve lugar no Palácio Municipal de Desportos de Montjuïc, autorizado por este Governo Civil, o recital de canções interpretado pelo cantor "Raimon" [sic, entre aspas, como alias]. Ao acto assistiram umas 10 mil pessoas, entre homens e mulheres, na sua maioria jovens de uns 20 a 22 anos de idade, eles de cabelo comprido.
Durante as canções, tanto ao princípio como ao final das mesmas, quando as letras aludiam à luta silenciosa, como era a chamada "Jo vinc d'un silenci", que teve de repetir ante a insistência do público, que irrompia em aplausos e gritos de "liberdade, liberdade" e "fora o actual Regime!", os espectadores actuavam como uma massa enfurecida.

Finalizada a primeira parte e visto o cariz que o espectáculo estava a tomar, solicitou-se reforço da Polícia Armada, que se situou com os seus carros à frente do Pavilhão Municipal dos Desportos, junto ao Parque de Bomberos, desalojando todos os veículos estacionados em frente ao Pavilhão, a maioria propriedade dos empregados do Palácio Municipal, para que desta forma se pudesse facilitar a actuação da Força Pública se fosse preciso.

Dados os ânimos exaltados de todo o público, foi impossível suspender o recital, para evitar que se produzisse um confrontamento entre a Força Pública e os assistentes, pelo que se deixou continuar a celebração do espectáculo, advertindo o cantor que o terminasse quanto antes. Assim, ordenou-se aos empregados do pavilhão que, mal acabasse a actuação, abrissem todas as portas para facilitar a evacuação do local com a maior rapidez possível.

Uma vez finalizada a actuação do cantor, que ante a insistência do público teve de repetir a canção "Jo vinc d'un silenci", aplaudida com os sabidos gritos subversivos, o público começou a desfilar uns cinco minutos depois de acabar tal actuação, mas antes de abandonar o local, alguns espectadores gritaram "Abaixo o regime" e "Queremos celebrar uma Assembleia de irmãos catalães, com liberdade". O espaço ficou completamente vazio de público após 15 minutos, sem que se tivesse produzido qualquer alteração, indo os assistentes em várias direcções, permanecendo a Força concentrada até que estivesse desepejada de público.

A actuação deste cantor acabou às 00:20 horas, significando que em todas as canções aplaudia ao final das mesmas ao uníssono do público e em particular, quando este irrompia em gritos subversivos.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XV)

O ambiente está aceso. O recital tem lugar no mesmo dia em que Franco passa os seus poderes ao príncipe João Carlos. Raimon sentou nas primeiras filas do recinto, repleto de gente e pressão, os representantes da Assembleia da Catalunha, que reúne todas as forças políticas que luta pelas liberdades democráticas e nacionais: Pere Ardiaca, Joan Armet, Josep Benet, Jordi Carbonell, Joan Cornudella, Paco Frutos, Raimon Obiols, Jordi Pujol, Joan Reventós, Miquel Roca Junyent, Joan Colomines, Josep Solé Barberà, Jordi Solé Tura, Lluís M. Xirinacs... Também estão os advogados do fuzilado "Txiki", Marc Palmés e Magda Oranich. Agitam-se bandeiras, gritam-se frases e os aplausos corroboram os versos tornados funcionalmente consigna. Quando canta "Jo vinc d'un silenci / antic i molt llarg, / de gent sense místics / ni grans capitans", uma voz do público grita com força: "Que morra!".
Dez mil pessoas aplaudem.


No intervalo, apagam-se as luzes, acendem-se isqueiros e lanternas enquanto se lê um comunicado da Assembleia da Catalunha e se distribuem panfletos. A polícia não o pode permitir, entra no camarim e pede a Raimon para que suspenda o recital. Raimon arrisca alto: "O governador responsabilizou-me e tenho a sua permissão e a sua palavra. Sei até onde posso ir. Se o interromper será pior, verão". Funciona. Êxito de massas, de convocatória e de concentração, que vai parar à Assembleia da Catalunha, através de Xavier Folch, contacto habitual do mundo intelectual com o órgão unitário. A Assembleia tinha usado "Diguem no" como slogan na sua campanha "contra a ilegalidade fascista", promulgada por acordo da sua Comissão Permanente, no dia 12 de Novembro de 1972.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XIV)

Para lá do seu espaço na Via Laietana, havia um dossiê "Raimon" no Governo Civil de Barcelona, um maço de capa dura, e um outro no Serviço de Informação Militar, que era como se chamava então o corpo de espionagem. Um capitão general da IV Região Militar chega a fazer de Raimon motivo de preocupação na Sala de Bandeiras da cúpula do Exército.

Joaquín Nogueras, capitão general em Barcelona, distingue Raimon com esta carta endereçada ao governador civil, com data de 10 de Maio de 1972:


Exmo. Sr. Adjunto, para conhecimento de V.E., duas notas que recebo dos meus Serviços de Informação.
Não remeto outras referentes aos acontecimentos em torno do dia 1º de Maio, pese a abundância de bandeiras vermelhas com a foice e o martelo; profusão de gritos subversivos nos quais se atenta directamente contra o Chefe do Estado, etc., por considerar, não devo imiscuir-me nas funções próprias de V.E., nem muito menos julgar, que o endurecimento das acções subversivas registadas se deve à impotência das Forças de Ordem Pública, ou a uma actuação consciente e calculada, em função de directrizes recebidas.
No entanto, o conteúdo, e o claro significado, das duas Notas que se juntam não pode ser ocultado, nem deixado sem aclaração, aos Quadros Profissionais do Exército.
Os gritos "Viva Catalunha Indenpendente", e a atitude perfeitamente definida de 400 pessoas que atentam contra a unidade da Pátria, aproveitando um acto autorizado por este Governo Civil; a alusão concreta a organismos militares da Região, são factos que afectam directamente as Forças Armadas e, portanto, não posso, nem quero, manter-me passivamente à margem.
Por conseguinte peço a V.E., se achar por bem, que me informe, discretamente, das razões que levam a permitir a actuação do cantor Raymon (sic), mesmo sabendo que, sistematicamente, estas actuações são aproveitadas por elementos contrários à Unidade da Pátria. E então, se se adoptou alguma medida em relação ao dito cantor e se se efectuou alguma detenção de elementos organizados.
Por outro lado, considero de elevado interesse que me comunique se, com os meios policiais disponíveis de V.E., julga possível averiguar a origem e a organização distribuidora da propaganda subversiva intitulada Terrorismo e Direitos. Alerta! apreendida inicialmente no Hospital Clínico e na Faculdade de Medicina.
Tudo isto, com vista a eventuais acções que me veja obrigado a tomar em função e desde o ponto de vista da jurisdição da Justiça Militar.

Deus Guarde V.E. por muitos anos.
Barcelona, 10 de Maio de 1972.
O Capitão General, Joaquín Nogueras.


Perante uma pressão tão forte e evidente da máxima autoridade militar, o governador, Tomás Pelayo Ros, responde por carta que Raimon está proibido. Num novo ofício que chega à Brigada Social, onde Raimon está classificado, disse-se, como "Catalano-separatista" e as designações nominais dizem extactamente: Ramón Pelegero Sanchis, ou "Raimon".

O Governo Civil aguenta um par de anos a proibição absoluta, apenas furada por organizadores com imunidade, como a Igreja e a Universidade, e, havendo sorte, abre mão impondo três restrições importantes. Para poder cantar, Raimon tem de ser contratado por um empresário registado, disponibilizar os valores e certificados de ingressos bancários e consultar a Direcção Geral de Segurança, em Madrid.

Nestas situações tão precárias, Raimon atira-se de cabeça com o recital do Palau dels Esports. Pede a Oriol Regàs que seja o empresário de coarctada. Regàs, apesar de ter prestado diversas ajudas à oposição, é considerado pelas autoridades franquistas um frívolo proprietário de salas de jogo, o Bocaccio e o Maddox, e um restaurante de luxo, o Via Venero, que eles frequentam. Oriol Regàs tem apenas um antecedente por fechar tarde o Bocaccio e de nele ter pouca luz, facto que propicia comportamentos "lascivos". A autoridade deixa passar e o novo Governador Civil de Barcelona, Rodolfo Martín Villa, que é inteligente o suficiente para perceber que o certificado de óbito de Franco sê-lo-á também do seu regime político, quer ter um pé no futuro. Martín Villa é o dubitativo Hamlet. Não pode autorizá-lo para ficar bem com os que o nomearam, mas tem de fazê-lo porque ainda é jovem e ainda tem muita carreira política pela frente.

Autoriza-o, mas chama ao seu gabinete Raimon e Annalisa para intimidá-los e responsabilizá-los por tudo o que possa acontecer. A chamada é coerciva: "O governador diz que venham os dois". Annalisa pregunta: "Quando?". Respondem "Já". Raimon aguenta o sermão e diz-lhe que ele apenas pode ser responsabilizado pelas canções, e por nada mais. E sai.

domingo, 23 de agosto de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XIII)

Em tempos de cólera, em suma, em tempos em que era preciso muita imaginação para burlar as apertadas margens da censura de textos e das proibições de recitais, Raimon encontra na linguagem simbólica vocábulos suplementários, aditivos, que lhe permitem reforçar a sua mensagem essencial: nação livre, sociedade justa, política de esquerdas.

É neste panorama que cabe entender com significados acrescidos toda uma série de factos, independentemente do valor que possuem por si. A dedicatória de uma canção, "Sobre la pau", a Che Guevara. O livro Poemas i Cançons, pensado ao milímetro, com uma citação do vietnamita Fam Van Dong, o magnífico prólogo de Manuel Sacristán, então membro da direcção do PSUC, expulso da universidade, não obstante ser um dos intelectuais espanhóis de maior prestígio, e a capa de [Antoni] Tàpies, um "No" enorme inspirado em "Diguem no", que depois seria retomado nos cartazes contra a pena de morte. O disco intitulado "A Víctor Jara", cantor chileno cruelmente assassinado pouco depois do golpe de estado do general Pinochet, com a versão de "Te recuerdo Amanda", tema, por coincidência, na linha que une amor e luta.
Coragem, portanto, ao convocar o acto do Palau dels Esports, e a necessária dose de inconsciência que tantas vezes a torna possível, até mesmo nos mais impenitentes praticantes do racionalismo como Raimon.

Raimon figurava numa "lista negra" de cantores, incrivelmente assim chamada, divulgada pela Direcção Geral de Segurança a 14 de Julho de 1975. Havia nela vinte e um nomes, quinze dos quais, catalães. Raimon acumulou, desde a sua irrupção na Universidade de Valência até àquele último ano de vida de Franco, uma ficha policial que precisa de duas gavetas metálicas daquelas que serviam para guardar papéis antes de o ordenador converter tanta matéria em energia. Raimon estava afastado dos considerados "catalano-separatistas", ao lado de, entre outros, Josep Benet, Oriol Bohigas, Josep-Lluís Carod-Rovira, Carles-Jordi Guardiola, Joan Manuel Serrat, Josep M. López Llaví, Albert Ràfols Casamada, Carme Serrallonga, Joan Armet, Alexandre Cirici, Pi de la Serra, Miquel Sellarès e Romà Gubern. As outras entradas do arquivo policial, com adjudicações verdadeiramente surreais, ao lado doutras mais que acertadas, eram, em suma, "PC-PSUC", "anarquismo", "grupúsculos de extrema esquerda", "catalanistas" e "catalanistas de pendor socialista".

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XII)

Raimon reflectiu muito sobre aquele momento de atonia e sobre que contribuição podia dar. Optou pela função de catalisador, o que provoca uma reacção química. Consciente da sua capacidade mobilizadora, aproveitou-a e aplicou-a. Um recital massivo, no maior ajuntamento tentado por um único cantor de língua catalã, 6 mil pessoas nas bancadas, muitas mais na pista. Parecia impossível.
Mas provou-o, com uma inusitada coragem. A coragem era um requisito imprescindível para enfrentar os energúmenos sem escrúpulos encarregados de carregar de sentido a patética palavra "ditadura". Raimon vive sob a permanente tensão dos que enfrentavam um sistema totalitário: detêm-no, fazem-no falar, tem de pedir autorização, enviam-lhe a polícia para o controlar a ele e ao público, tem de levar as canções à censura concerto a concerto, apreendem-lhe o passaporte, proíbem-no por temporadas... "Dels anys patits on tot ha estat perill" ["Dos anos sofridos onde tudo era perigo"], como resume num verso de "Que tothom". Raimon lembra assim aquela experiência de ansiedade permanente:

Proibiam-me o tempo que queriam, interrogavam-me... Havia autênticas bestialidades, como notificar-me a que fosse fazer declarações à esquadra da polícia, a terrível Via Laietana, que só de lá ir já causava... Para me acusarem de ter feito uma canção contra o Papa. Referiam-se ao poema de [Anselm] Turmeda "Elogi dels Diners", do século XVI! E momentos muito duros, momentos muito duros... Quando nos fechámos em Montserrat, pelo Processo de Burgos, eu estava proibido e a coisa foi de mal a pior. Chegaram a fazer-me fazer um requerimento para poderem dar-me permissão para actuar, autorização para pedir autorização. Era aviltante e kafkiano. E aquela impotência...

Manuel Vicent diz com a sua ironia que sempre distancia e liberta: "Raimon levava consigo uma aura de gás lacrimogéneo e à sua volta, dentro do fumo, dançavam guardas com vergasta, censores com carimbos, governadores de bigodinho imperial". Raimon, em idêntica postura de escapar ao ferro, de relaxar com humor, respondia assim a um membro do Clube de Joves de Ontinyent que o entrevistou depois de um recital, em Setembro daquele mesmo ano de 1975:

- Raimon, é muito difícil entrar em contacto contigo... Como podemos localizar-te ou ter informações do teu paradeiro?
- Pfui!!... Mas se é muito simples! Basta irem perguntar a qualquer esquadra da polícia...

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (XI)

Mas ficarmo-nos pelos recitais que ficaram gravados na memória colectiva seria cortar muito a eito. Raimon faz mais de uma centena de recitais por ano, e percorre toda a geografia dos Países Catalães. Canta nos lugares mais inverosímeis e aproveita todas as datas, a festa maior, os encontros, a comemoração de algum acontecimento cultural. O programa de mão da actuação de Raimon na Festa Major de Terrassa, a 5 de Julho de 1971 dizia:

Depois dos seus últimos êxitos em Itália temos Raimon entre nós.
Faz quase três anos que não o víamos actuar aqui em Terrassa.
Hoje, em plena Festa Major, poderemos ouvi-lo.

Por isso mais que nunca nos sentimos acompanhados a seu lado, abrigados pelas suas canções e pela sua mensagem.
A sua autenticidade, o seu amor para com os oprimidos, assim mesmo o ouviremos, podemos repetir: é tão grande artista como lutador e o seu canto é a síntese destes dois ingredientes: Arte e Luta.

É de muito especial relevância para este capítulo o recital que Raimon protagoniza no Palau dels Esports de Barcelona, a 30 de Outubro de 1975. Franco estava na cama e a oposição não sabia nem o que fazer nem como se mexer, momentos de grave indecisão semelhantes aos que se repetiriam na noite de 23 de Fevereiro de 1981, durante a tentativa de Golpe de Estado. A ditadura queria perpetuar-se e tinha reactivado as piores impulsos da sobrevivência a qualquer preço. Passavam-se apenas trinta e três dias que tinham sido executados cinco militantes antifranquistas, um deles, Juan Paredes, "Txiki", em Cerdanyola, e todos as forças de segurança e do exército estavam em alerta máximo. [*]


[*] - Foi depois dessas execuções que, cá, em 27 de Setembro, houve o saqueamento da embaixada espanhola por uma população enfurecida.
Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Uma pausa com "Campus de Bellaterra"

Campus de Bellaterra, 30 de Outubro de 1974

Deste disco, e apesar de se perceber que não se apresenta como um registo contínuo (tem cortes no fim das músicas, e desconhecemos o que se passou entre elas), sobressai o espaço aberto, que se ouve no eco e na voz de Raimon. Sobressai também silêncio, não já tenso como noutros concertos, mas de empatia e companhia por parte do imenso e jovem público que ficou retratado na capa deste disco.

Por estes anos, Raimon optava por canções mais recentes e imediatas. Atente-se na ausência, pelo menos aqui, de, por exemplo, "Al Vent", "Cançó de les Mans", canções emblemáticas dos primeiros anos, talvez por isso preteridas, ou ainda, com a união contra o regime já num processo mais avançado, a ausência de "Diguem No". Seria mais que adequado cantá-la. Mais notória ainda é a falta de "D'un Temps, d'un País". Mas talvez fossem demasiado fortes para a paz que parece emanar desta tarde com algum vento (podemos ouvi-lo, por exemplo, na homenagem e na canção de Víctor Jara, "Amanda" - procurem-na, foi a 16º entrada na caixa de música).

Essa paz e o abraço imenso do espaço até nos permite ouvir as pontas das cordas da guitarra a abanar ao vento.

E quase que estamos lá.

Se o virem por aí, não percam a oportunidade. Se os objectos nos enriquecem com o que extraímos deles, e não propriamente com a mera posse deles, que é o que distingue a riqueza interior da exterior, avancemos nessa direcção.


Este disco conheceu, tanto quanto sabemos, as seguintes edições:

1 - Campus de Bellaterra
Lp, 1974, Movieplay S-32568

2 - Campus de Bellaterra
Cd, 1992, Fonomusic CD-1159

3 - Discografia Básica
3Cd, 2004, Dro East West 5046736822 (juntamente com outros dois álbuns originalmente editados pela Movieplay: A Víctor Jara (1974) e Lliurament del Cant (1977))

4 - Campus de Bellaterra
Cd Digipack, 2004, Dro East West 5046746512 (a edição que possuímos e apresentamos)

sábado, 15 de agosto de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (X)

Era um recital massivo, 5 mil pessoas, que sob condições normais teria motivado um bom destacamento de jornalistas, crónicas, críticas e, naturalmente, uma linguagem que não precisasse de criptógrafos para ser decifrado: Raimon foge porque o espera a polícia, e o desemprego é uma greve, que também estava obviamente proibida. A crónica ao lado da de Raimon dá também uma dimensão do que era importante ou de como se valorizam as notícias:

Ontem, na cantina do Círculo del Liceu, onde se reúne, desde há muitos anos, a Peña de los Viernes (de que fazem parte muitas personalidades barcelonesas), esta entidade fez uma homenagem de simpatia e afecto a don Luís Martí y Olivares, marquês de Rebalso, sócio número um, famosa personalidade barcelonesa, octogenário, que ocupou altos cargos na cidade, entre os quais, o de chefe superior da polícia, depois da libertação de Barcelona em 1939.

Conhecidos nomes catalães assistem, de facto, à homenagem à ínclita personagem que dirigiu a feroz repressão quando as forças franquistas entraram na cidade: Aleix Buxeres, Lluís Trías de Bes, Tomás Martínez Fraile, Josep M. Mas-Sardà, Francesc Peris-Mencheta, Ignasi Macaya, Gonçal i Àlvar Fuster-Fabra, Miquel Lerín, Ernest Tell, Gabriel Brusolas, Joan Capo, Josep M. Lacalle... Presidia à sessão o capitão general, Alfonso Pérez-Viñeta, o falangista que comandava os pretorianos de Franco, a polícia moura que ocupou Barcelona em 26 de Janeiro de 1939.

Três anos depois do recital na Faculdade de Direito, outra grande convocatória universitária. Campus de Bellaterra. Do recital multitudinário de Bellaterra sairá um disco, graças ao engenho do técnico de som que, quando a polícia quis apreender a matriz do registo, fez passar gato por lebre dando-lhes uma gravação de palhaços do grupo de Aragón, Gaby, Fofó, Miliki e Fofito, artistas do selo Movieplay, como Raimon. O dinheiro obtido destinou-se à célula universitária do PSUC, à compra de uma fabulosa fotocopiadora de última geração, e uma soma foi para militantes libertados e para outras despesas relacionadas com as prisões. Miguel Nuñez, então dirigente do PCE e responsável do Comité de Barcelona do PSUC, um dos líderes carismáticos da história da resistência antifranquista, disso deixa testemunho no seu belíssimo livro de memórias, La Revolución y el Deseo.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (IX)

No La Vanguardia a crónica do recital de Raimon no polivalente da Faculdade de Direito da Universidade de Barcelona, exemplo de uma notícia curta da época, dizia o seguinte:

Uns cinco mil estudantes, embora o número seja difícil de precisar, assistiram ontem ao meio-dia ao recital que Raimon deu na Faculdade de Direito da Universidade de Barcelona. No edifício e em diferentes lugares colocaram-se fotografias do cantor. Raimon, que actuava sem receber qualquer dinheiro, já há dois anos - mais concretamente desde Novembro de 1968 - que não dava um recital em Barcelona. Raimon dedicou algumas das 17 canções que interpretou ao comandante Ché Guevara, ao País Basco e a Joan Miró. Muitas das canções, e certas letras em especial, foram cantadas pelos estudantes que assim aplaudiam no final de cada intervenção. Alguns estudantes soltaram grandes cartazes. Os cartazes provocaram reacções de protesto por parte de alguns estudantes. Durante do decorrer do recital viu-se uma bandeira vermelha com a a foice e o martelo. Também se distribuíram exemplares do Mundo Obrero [diário do Partido Comunista, ilegal], entre outros panfletos. Apesar disso, o recital decorreu nos trâmites previstos e nos quais se baseava a autorização do director da Faculdade, que autorizou, como se sabe, o acto. No fim da canção número 17, Raimon saltou por uma janela que dava para a parte traseira da Faculdade, entrou num carro que estava estacionado e desapareceu com três pessoas que o acompanhavam. No recital estava o cantor Pi de la Serra. Sabe-se que o dinheiro das entradas era destinado a fazer face às necessidades económicas dos trabalhadores da empresa AEG Telefunken, de Tarrasa, que estão no desemprego devido a uns problemas com a empresa. À saída do recital os estudantes depararam-se com a presença de corpos da Polícia Armada. Um pequeno grupo deu gritos de "Liberdade!". Outros, posteriormente, tentaram manifestar-se nas proximidades da Faculdade. No entanto, a presença da força pública frustrou a acção.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (VIII)

O jornalista Manuel del Arco, tido como o melhor entrevistador de formato diário curto, um género hoje extinto, publica no dia do recital da Faculdade de Direito uma entrevista muito interessante. Del Arco gozava de alguma confiança por parte do regime, e podia permitir-se, de vez em quando, a forçar a situação. A sua entrevista a Raimon sai no La Vanguardia a 13 de Março de 1970. A secção de Del Arco chama-se "Mano a Mano" e, naquele dia, sai ao lado de uma notícia segundo a qual se notificava da obrigação de requerer autorização do chefe de Estado para poder adoptar filhos, e uma outra sobre a melhoria de uma cólica dos rins do general Perón, que dera entrada na Fundação Puigvert.

Manuel del Arco conduz uma entrevista ousada. Raimon também aposta forte:

- Porque é tão caro ouvir-te aqui, ainda que agora o faças gratuitamente?
- Para mim é uma questão de burocracia.
- Papéis, carimbos e autorizações?
- Sim; assinaturas e permissões que nunca chegam a tempo, ou que simplesmente não chegam.
- É assim tão perigoso o teu idioma?
- Pode ser uma questão de opiniões; eu acho que não. Se Espanha é Europa, não vejo porque possa cantar em Catalão em França, Itália, Alemanha, tanto em actuações públicas como em televisão, e, aqui pareça estranho o meu idioma; muito mais se ouvido em salas de teatro.
- Será pelo que dizes?
- Na canção há uma censura prévia; quer dizer, que o que eu vou cantar em público é examinado antes pela autoridade competente. Não fujo às normas estabelecidas no país; não ajo fora da lei.
- Esta tua postura não prejudica a tua actividade artística?
- Se te referes ao facto de não cantar em Castelhano, não creio que isso seja limitar-me. Cantar numa língua minoritária não significa automaticamente um público reduzido. Dou um exemplo, sem sair da canção: Theodorakis canta na sua língua e é conhecido em todo o mundo. Aparentemente podia dar a impressão de que para sermos conhecidos deveríamos cantar todos em Inglês; mas eu acredito que em toda a criação artística, em geral, a qualidade impõe-se sobre as facilidades que a quantidade possa oferecer. (...)
- Mas tu cantas para exibir as tuas faculdades artísticas ou para expressar-te como jovem do teu tempo?
- Penso que as minhas possíveis faculdades artísticas são-no enquanto possam contribuir, como jovem deste tempo, para a radical transformação de uma sociedade que não queremos. A arte pode ser também maneira de interpretar o momento histórico que se vive.
- Procuras que te rotulem de cantor de intervenção?
- Quem conhece as minhas canções pode ver que fujo às etiquetas. Penso que o homem é muito mais coisas que uma canção de amor ou de denúncia por sistema. Mais, tento que nada do que nos preocupa como homens fique de fora das minhas canções. É tão importante para mim o homem só em sua casa como o homem da rua com os outros; o que, traduzido em canções, quer dizer que uma canção lírica ou uma canção civil ou colectiva têm o mesmo valor. Se alguém me rotula assim é de má fé.
- Não te sentes profissional da canção, ainda que vivas dela?
- Sim, em relação à responsabilidade e ao que supõe lutar por uma maior perfeição e rigor no meu ofício concreto, que é a canção. Ao mesmo tempo que me preocupo em conhecer toda uma cultura própria que, em certa medida, se me foi ocultada na escola; por exemplo, a mim ninguém me disse, quando estudava literatura espanhola, que Quevedo tinha traduzido poemas de Ausiàs March; fiquei a sabê-lo ao ler um livro de Martín Riquer. O que nos demonstra que noutros tempos o contacto cultural entre as diferentes culturas peninsulares era muito mais aberto e fecundo que nos nossos dias.
- Outros, que começaram como tu, vão cedendo. Não temes ficar sozinho?
- Em princípio, a solidão não me afecta. Logo, o que estou a fazer é o que estou a ser e a sentir. E depois, as dificuldades que isso possa comportar não são argumento suficiente para que eu mude a minha forma de estar no mundo.

domingo, 9 de agosto de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (VII)

Naquele ano, 1970, Raimon colabora no activismo com o seu recital na Faculdade de Direito, muito sensibilizada porque o Processo de Burgos é estudado e debatido graças ao facto de um advogado catalão, grande político do PSUC que com a democracia será deputado, Josep Solé Barberà, defender um dos arguidos, Josu Abrisketa; o seu filho, Josep Solé Fortuny, então estudante, põe todos ao corrente de como se desenrolam os acontecimentos, com o apoio de uma poderosa célula comunista. Raimon toma também partido na barricada que intelectuais e artistas fazem no mosteiro de Montserrat, que terá grande repercussão internacional, por nela se pedir a comutação das penas capitais. E arrisca-se individualmente ao esconder militantes bascos. Daí nascerá uma boa amizade com o hoje jornalista Patxo Unzueta.

Raimon estava proibido mas canta na Faculdade de Direito graças a uma corajosa autorização do seu director, que estava ciente de que em sede universitária não era necessária autorização governativa para actos culturais. Escolhe uma data simbólica, 13 de Março, e dá também entrada livre a trabalhadores em greve. Depois parte para os Estados Unidos, porque aqui se lhe tinham sido fechadas todas as portas. Lá conhece Rafael Ribó e Roser Argemí, Fernando Santos, Miquel Barceló, Nicolás Sánchez Albornoz, Emilio Rodríguez e a família Seeger, Pete, Toshi e a sua filha Misha.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (VI)

Nos anos de 1970 e 1973, volta a dar grandes recitais para universitários. Primeiro na Faculdade de Direito da Universidade de Barcelona; depois, no Campus de Bellaterra.

1970 é um outro annus horribilis para as forças democráticas que lutam contra a ditadura. O Processo de Burgos, conselho de guerra no qual se pede pena de morte para seis militantes da ETA, junta um grande movimento de solidariedade e também uma imensa onda repressiva, com a promulgação de um novo estado de excepção. A liberdade tem de se equilibrar a caminhar pelo gume de uma enorme faca: "Todos os que sofreram / o peso da imensa bota / e a afiada espada / sabem o que é o medo", diz em "Contra la por" [Contra o medo], de 1968. Catalunha demonstra a sua solidariedade para com Euskadi; a massiva, na rua; a pessoal, acolhendo e escondendo bascos que fogem do seu território. Raimon era sensível à problemática basca e tinha já dedicado duas canções ao tema, "El País Basc" e "A un amic d'Euskadi".

["El País Basc" é uma das canções mais profundas e pesadas que Raimon compôs. A sua metáfora imponente fala o alfabeto da solidariedade e do grito pela justiça. Muito do peso está talvez nas 5 notas (!) que acompanham o texto. Se se critica a menoridade / simplicidade musical do Raimon dos primeiros tempos, que neste caso é mais que notória, tal dificilmente pode dizer-se da sua capacidade comunicativa, do seu poder de síntese enquanto narrador e do seu valor enquanto poeta. A versão desta canção de 1967, a 28ª na caixa de música, é das mais despidas e cruas, acentuando esse sentimento. Está incluída num Lp homónimo que compila as gravações (feitas, penso, em 1968) que Raimon fez para a série Inici da etiqueta Discophon, editado em 1971. Em 1999, este disco teve uma edição em Cd, pela Discmedi Blau, sob o nome "Dotze Cançons"]




Tots els colors del verd
sota un cel de plom
que el sol vol trencar.

Tots els colors del verd

en aquell mes de maig.
/

Todas as cores do verde

sob um céu de chumbo

que o sol quer romper.

Todas as cores do verde

naquele mês de Maio.


Portava el vent la força

d'un poble que ha sofert tant.

Portava la força el vent

d'un poble que ens han amagat.
/

Portava o vento a força

de um povo que sofreu tanto.
Portava a força o vento

de um povo que nos esconderam.


Tots els colors del verd

sota un cel ben tancat.
/

Todas as cores do verde
sob um céu bem fechado.


I l'aigua és sempre vida

entre muntanyes i valls.

I l'aigua és sempre vida

sota la grisor del cel.
/

E a água é sempre vida

entre montanhas e vales.

E a água é sempre vida
sob a cinza do céu.


Tots els colors del verd

en aquell mes de maig.
/

Todas as cores do verde

naquele mês de Maio.


És tan vell i arrelat,

tan antic com el temps

el dolor d 'aquella gent.

És tan vell i arrelat

com tots els colors del verd

en aquell mes de maig.
/

É tão velha e arraigada,
tão antiga como o tempo

a dor daquela gente.

É tão velha e arraigada
como todas as cores do verde
naquele mês de Maio.


Tots els colors del verd,

Gora Gora, diuen fort

la gent, la terra i el mar
allà al País Basc.
/

Todas as cores do verde,

Gora Gora, gritam forte
a gente, a terra e o mar
lá, no País Basco.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (V)


Folheto-guia do primeiro recital de Raimon na Galiza, em 9 de Maio de 1967, em Santiago de Compostela, com as letras traduzidas por Carlos Casares e Salvador Garcia-Bodaño e ilustrado por Andreu Alfaro. Importa referir que este recital foi importantíssimo para o despoletar do movimento da canção de intervenção na Galiza. À semelhança dos Setze Jutges, vários cantores surgiram sob o nome de Voces Ceibes, onde estavam Benedicto, Miro Casabella, entre outros. Leiam a entrada da Vikipédia para o conjunto.


A Unión de Departamentos de Actividades Culturales de la Universidad de Madrid edita em offset as letras das canções de Raimon, com traduções em Castelhano por Gabriel Celaya - que depois dedicaria um poema a Raimon -, José Hierro, Jesús López Pacheco, Jorge Ruiz Gusils e José Augustín Goytisolo. A capa é a do desenho de Andreu Alfaro que servirá para os recitais que então fazia que levavam como título "Raimon, a voz dum povo". Grande cartaz cultural para uma modestíssima e ilegal impressão.

Raimon canta, portanto, num curto espaço de tempo, para o movimento operário e para o movimento estudantil, vanguardas da luta antifranquista. Mas, um ano antes, tinha feito o Palau de la Música Catalana, espaço natural da arte dos sons. Os trabalhadores de Barcelona e os estudantes de Madrid, máximos expoentes do que cá podia ter sido o mítico 1968, tiveram grande impacto em Raimon. Expedientes policiais e quase dois anos de proibição, depois de um recital que fora, já ele, muito quente. Em 30 de Novembro daquele 1968, Ovidi Montllor, Pi de la Serra e Raimon enchiam pelas costuras o Palau de la Música. Figurava milagrosamente o pano que tapava as quatro barras que presidiam o cenário, e o canhão de luz descobria uma decoração insólita.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

VIII - Tu que m'escoltes amb certa por (IV)

Em 1968, cúpula do imaginário de todos os progressismos, em que o Maio francês fez tombar os padrões revolucionários e os tanques soviéticos os beliscaram na Checoslováquia, Raimon dá dois recitais que cosem ponto por ponto o padrão - que seria de nós sem as metáforas têxteis! - da mobilização de massas, da canalização de uma revolta carente de cenários e apenas dotada de saídas de emergência. As datas e os motivos ficaram imprimidos e gravados porque, Raimon, no seguimento destes recitais, compõe duas canções: "13 de març, cançó dels creients" e "18 de maig a la villa". É curioso, aliás, que dois títulos de um mesmo ano comecem por números e sejam datas.


Em 13 de Março de 1968, Raimon canta no Gran Price, um ringue boxístico, em benefício das Comissiones Obreras [CO]. As CO foram fundadas em 1964, e em 1966 era criada a Comissió Obrera Nacional de Catalunya. O seu protagonismo como vanguarda das lutas dos trabalhadores durante o franquismo praticamente não teve paralelo, feito que lhe custou altos preços por parte da repressão. Para lá disso, a ditadura cobrou dois mortos pela grave infracção de participar numa greve: em 29 de Outubro de 1971, Antonio Ruiz Villalba, trabalhador da SEAT, e em 3 de Abril de 1973, a central térmica de Sant Adrià del Besòs, Manuel Fernández Márquez. Ambos tombaram a disparos da polícia. A prisão Model estava repleta de líderes das CO, alguns dos quais esperavam julgamento por tribunais militares.


Em 18 de Maio de 1968, Raimon canta na Faculdade de Ciências Políticas e Económicas da Universidade Complutense de Madrid onde, depois, se dá lugar a uma grande manifestação que a polícia neutralizará com o seu aparelho anti-motins. Paris era uma grande barricada e Raimon regista tudo o que estava a acontecer:

["18 de maig a la 'Villa'" é a 27ª canção de Raimon na caixa de música ali ao lado. O primeiro registo data segundo disco ao vivo no Olympia (1969). O segundo surge em "Campus de Bellaterra" (1974) Optámos pela gravação do "Recital de Madrid" onde o ambiente e as palavras de Raimon mais bem a contextualizam. Razões suficientes para não julgarmos necessário traduzi-la.]




I la ciutat era jove,
aquell 18 de maig.
Sí, la ciutat era jove,
aquell 18 de maig
que no oblidaré mai.

Per unes quantes hores
ens vàrem sentir lliures,
i qui ha sentit la llibertat
té més forces per viure.

De ben lluny, de ben lluny,
arribaven totes les esperances,
i semblaven noves,
acabades d'estrenar:
de ben lluny les portàvem.

Per unes quantes hores
ens vàrem sentir lliures,
i qui ha sentit la llibertat
té més forces per viure.

Una vella esperança
trobava la veu
en el cos de milers de joves
que cantaven i que lluiten.

No l'oblidaré mai,
no l'oblidaré mai,
aquell 18 de maig,
no l'oblidaré mai,
aquell 18 de maig
a Madrid.


Canção claramente jonda, com um ostinato de guitarra amplificando o refrão; a propósito, uma das escassas canções de Raimon com refrão, ritornello ou estribilho, tão comum na tradição popular.


Imagens retiradas daqui, daqui e daqui.
Cliquem e leiam os textos, relatos e testemunhos.
Note-se que a imagem da revista Triunfo refere-se ao concerto do "Recital de Madrid", não ao de 18 de Maio de 1968.